terça-feira, 24 de setembro de 2013

O prazer de ensinar

Uma infelicidade trouxe-me até ao orfanato. Como já contei aqui, vim com uma ONG que funciona mal. O dinheiro existe para pagar bolsas de estudo de mérito duvidoso, vinhos e casas de luxo. Tudo o resto, a verdadeira cooperação, é fictício, segundo os modelos de gestão da pessoa que comanda essa ONG.
Depois de meses de frustração, sem rumo, chegar ao orfanato foi o melhor que me podia ter acontecido. Estar aqui e poder contribuir de alguma maneira para o futuro destas crianças foi sem dúvida o ponto fulcral de toda esta experiência mas não falo apenas de questões humanitárias. Pessoalmente descobri uma vocação que até então desconhecia: ensinar, ser professora.
Transmitir conhecimento dá uma sensação de poder tremenda. Saber que, através de mim e das coisas que lhes ensino, elas no futuro terão acesso a outras oportunidades faz-me sentir útil e capaz.

O nivel de ensino em Moçambique é vergonhoso. Até ao 7º ano todas as crianças são obrigadas a passar de classe. Só chumbam aquelas que não sabem mesmo nada. E o conceito de não saber mesmo nada aqui é literal. Há jovens de 18 anos que não sabem ler nem escrever mas sabem alguma coisinha (ainda não descobri o quê). Essas jovens foram passando de classe até ao 7ºano e, depois, aí ficaram como estátuas, convivendo com colegas de carteira de 11,12,13 anos e por aí fora. Poderia desfilar um sem fim de histórias reais que ouço diáriamente contadas pelos alunos e professores que demonstram que a escola existe para que as crianças moçambicanas possam ir passear os livros e sejam meros números nas estatísticas internacionais que pretendem demonstrar que Moçambique é um pais que está a crescer.

Infelizmente, a maioria das crianças a quem dei aulas aqui no orfanato, estão nessas condições. Sabem nada ou muito pouco. Tentei não desistir de nenhuma, embora algumas situações sejam desesperantes. Numa dessas “lutas” descobri que a T. de 7 anos, afinal sabe muito mais do que todos esperavam (mesmo sabendo muito pouquinho).

A T., foi abandonada à porta do orfanato quando tinha 3 ou 4 meses. Era um bebé e foi o ai Jesus da casa. Infelizmente, foi crescendo e demonstrando uma grande indiferença para com as coisas da escola. Tanto as colegas, como as irmãs me pediam que lhe desse alguma atenção especial. Confesso que ao principio não estava muito interessada em dar uma atenção privilegiada a uma criança irriquieta, barulhenta, suja e desorganizada, que estava mais interessada nas brincadeiras que nas letras. Mesmo assim fiz um esforço e isso foi-me recompensado. Afinal a T. só precisa de alguém que esteja ali ao lado e que a consiga manter mais de 30 segundos concentrada.

Quando todos descobrimos que a T. sabe escrever o nome dela foi uma enorme alegria. A Irmã Maria nem queria acreditar.


Deixo-vos aqui umas quantas fotos que comprovam que a T. é capaz de muitas coisa.



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