Uma
infelicidade trouxe-me até ao orfanato. Como já contei aqui, vim com uma ONG
que funciona mal. O dinheiro existe para pagar bolsas de estudo de mérito
duvidoso, vinhos e casas de luxo. Tudo o resto, a verdadeira cooperação, é
fictício, segundo os modelos de gestão da pessoa que comanda essa ONG.
Depois
de meses de frustração, sem rumo, chegar ao orfanato foi o melhor que me podia
ter acontecido. Estar aqui e poder contribuir de alguma maneira para o futuro
destas crianças foi sem dúvida o ponto fulcral de toda esta experiência mas não
falo apenas de questões humanitárias. Pessoalmente descobri uma vocação que até
então desconhecia: ensinar, ser professora.
Transmitir
conhecimento dá uma sensação de poder tremenda. Saber que, através de mim e das
coisas que lhes ensino, elas no futuro terão acesso a outras oportunidades
faz-me sentir útil e capaz.
O
nivel de ensino em Moçambique é vergonhoso. Até ao 7º ano todas as crianças são
obrigadas a passar de classe. Só chumbam aquelas que não sabem mesmo nada. E o
conceito de não saber mesmo nada aqui é literal. Há jovens de 18 anos que não
sabem ler nem escrever mas sabem alguma coisinha (ainda não descobri o quê).
Essas jovens foram passando de classe até ao 7ºano e, depois, aí ficaram como estátuas,
convivendo com colegas de carteira de 11,12,13 anos e por aí fora. Poderia
desfilar um sem fim de histórias reais que ouço diáriamente contadas pelos
alunos e professores que demonstram que a escola existe para que as crianças
moçambicanas possam ir passear os livros e sejam meros números nas estatísticas
internacionais que pretendem demonstrar que Moçambique é um pais que está a
crescer.
Infelizmente,
a maioria das crianças a quem dei aulas aqui no orfanato, estão nessas
condições. Sabem nada ou muito pouco. Tentei não desistir de nenhuma, embora
algumas situações sejam desesperantes. Numa dessas “lutas” descobri que a T. de
7 anos, afinal sabe muito mais do que todos esperavam (mesmo sabendo muito
pouquinho).
A
T., foi abandonada à porta do orfanato quando tinha 3 ou 4 meses. Era um bebé e
foi o ai Jesus da casa. Infelizmente,
foi crescendo e demonstrando uma grande indiferença para com as coisas da
escola. Tanto as colegas, como as irmãs me pediam que lhe desse alguma atenção
especial. Confesso que ao principio não estava muito interessada em dar uma
atenção privilegiada a uma criança irriquieta, barulhenta, suja e
desorganizada, que estava mais interessada nas brincadeiras que nas letras.
Mesmo assim fiz um esforço e isso foi-me recompensado. Afinal a T. só precisa
de alguém que esteja ali ao lado e que a consiga manter mais de 30 segundos
concentrada.
Quando
todos descobrimos que a T. sabe escrever o nome dela foi uma enorme alegria. A
Irmã Maria nem queria acreditar.
Deixo-vos
aqui umas quantas fotos que comprovam que a T. é capaz de muitas coisa.
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