sábado, 28 de fevereiro de 2015

O amor acontece...quando tem de acontecer

“Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido a provas e até rejeitado.” Chico Xavier

Escrevi anteriormente que o coração e os instintos nunca nos enganam. O que acontece é que por vezes gostamos de ser enganados. Também vos contei algumas vezes que desconheço os segredos para se ser feliz no amor e, no último ano escrevi aqui muitas palavras carregadas de dor que mil espinhos, uns atrás dos outros como rajadas de balas, me provocaram.

Até então tinha tido uma vida plácida no que ao amor concerne, i.e, tinha amado muito e tinha sido sempre correspondida, porém sem pré-aviso conheci a rejeição. Quando ainda nem me tinha recomposto bem, o otário do meu coração – que é mais ingénuo que a puta que o pariu-  voltou a meter-se noutra. Coitado, ele até nem teve bem a culpa. Foi a cabeça que o enganou cheia de falinhas mansas. O certo é que eu é que paguei as favas destes mambos todos.

Segui a minha vida e curei-me dessa tristeza agónica que só os desgostos de verdade provocam. Olhei sempre em frente e encontrei alguns momentos de alegria (que não tem o mesmo significado que felicidade). Não deixei nunca de sonhar com o amor mas a verdade é que pela primeira vez comecei a olhar para ele com alguma desconfiança.

Um dia estava deitada na minha cama, muitos meses depois de todas essas turbulências e do meu coração irriquieto já me ter dado uma trégua,  quando comecei a sentir um formigueiro no meu peito. O mesmo aconteceu no dia seguinte. O fenómeno não parou de repetir-se durante semanas. Percebi depois que se tratava de algo muito português. Tratava-se de saudade e eu tratei de pôr uma cara a essa saudade. Não demorei a encontrar o responsável.Tinha um nome muito concreto que memorizei durante cerca de 20 anos. Tinha um cheiro na pele digno de Deuses que de repente comecei a sentir nas ondas do vento irlandês, no autocarro, na fila do supermercado, nas toalhas turcas, nos meus sonhos...

Na minha cabeça começaram a sair balões com pontos de interrogação. Perguntava-me frequentemente “E se ele sente o mesmo e pensa que eu não sinto e por isso nenhum dos dois diz o que sente?”. Só se vive uma vez e eu sou consciente disso, portanto não tive dúvidas que ele ia saber que coisas se andavam a cozinhar no meu coração. Tomei a decisão mas mesmo assim reuni a minha equipa de conselheiros para falar sobre o assunto. A resposta não tardou “se sabes o que queres avança...não tens nada a perder”.
Neste ponto é importante referir que o meu instinto, esse cabrãozinho que tem sempre razão mesmo quando nós queremos muito, mesmo muito que não tenha, começou-me a dizer coisinhas ao ouvido sem eu lhe ter perguntado nada. Coisas do género “nunca lhe fechaste as portas, se não voltou foi porque não quis”. Eu até compreendia o instinto, no entanto repito “só se vive uma vez” e perdido por cem perdido por mil.

Num acto kamikase disse-lhe tudo o que se passava dentro de mim. Há sempre esperança que a resposta do outro lado seja digna dum conto de fadas, mas assim que cliquei no botão “Send” o meu bichinho interior pôs os pontos nos is e, sem papas na língua disse-me com todas as letras “não esperes nada em troca”. Foi tão peremptório que, sem jamais me arrepender do meu acto kamikaze, percebi claramente que tinha sido em vão, que do outro lado não seria compreendida. Sabem quando apostam duas vezes no mesmo número de lotaria? Quais são as probabilidades de que esse número saía? Eu apostei duas vezes neste homem e nas duas vezes perdi. Perdi também o amigo porque já não creio nesta amizade. O amigo, quando não quer como homem, diz na cara que não quer porque...é amigo.

Na vida tudo tem um sentido e essa dor agónica de que vos falei no inicio deste texto é, hoje em dia, a carapaça que me permite passar incólume por estas experiências. A desconfiança com que olho agora o amor é algo que passei a considerar extremamente positivo. Que um homem não me queira, que o mesmo homem não me queira duas vezes já não me derruba. Escrevo-vos isto do fundo do coração e um sorriso na cara. Porque acredito no amor, na lógica das trocas baldocas que a vida tem, nas surpresas e sobretudo na minha máxima favorita “What goes around comes around”.Sei que algo muito, mas muito melhor está reservado para mim. Não me arrependo de ter tentando lutar uma vez mais por algo que poderia eventualmente ser recíproco. Temos de lutar por aquilo que acreditamos, contudo também é importante sairmos de cena com dignidade quando percebemos que do outro lado não há...nada.

Sinto-me livre depois de muito tempo, cheia de esperança e de amor tonto para dar a quem o queira de verdade. Limpei a despensa cheia de teias de aranha e agora cheira a Primavera :)

Primavera no Alentejo

(reparem que o instinto levava meses a tentar avisar-me que isto ia acontecer. O maldito tem sempre razão. IRRA!!!) 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

White Flag

Não há receitas para viver uma vida plena mas há truques que se vão adaptando às nossas expectativas, à nossa maturidade, ao peso que levamos na nossa mochila.

O caminho é feito de alto e baixos mas se escutarmos o nosso coração ele diz-nos sempre como actuarmos. O que acontece é que nem sempre estamos dispostos a ouvi-lo porque, por vezes, ele põe o dedo na ferida, ao passo que noutras nos atira para o meio da fogueira. Tantas vezes perdemos a confiança nele e nos nossos instintos.  

Assumo que há épocas em que é impossível não discutir com ambos coração e instintos. Assim que começam a falar comigo já estou a olhar para o outro lado e assobiar com cara de quem diz “vão ver se chove, sim?”.Mas no fundo eles são como as avós: têm sempre razão porque têm experiência e nos desejam o melhor.

Não acho nada que a vida se resolve sózinha. Não sou a favor de ficarmos parados à espera que os milagres aconteçam. Só se estivermos cansados e precisarmos correr fôlego para continuar o caminho de forma digna.

E as recompensas, sempre tão belas, acabam mesmo por acontecer...têm de acontecer.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Peripécias irlandesas: o desfecho

Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.

É sempre assim! Quando a dor de dentes já passou a primeira coisa que fazemos é “esquecermo-nos” de ir ao dentista. Já passaram dois meses desde a ultima vez que vos escrevi sobre as peripécias mais marcantes na Irlanda. Creio que já é hora de saberem o que aconteceu depois daquele telefonema. Para mim foi óptimo voltar a reler as dificuldades pelas quais passei porque, agora que voltei a ter estabilidade, como qualquer comum dos mortais, já me começo a queixar da vida rotinária. Por vezes é bom recordar os momentos dificéis para poder saborear com maior deleite as coisas boas que me vão acontecendo. E não dúvidem que a vida não é mais do que a louca perseguição da felicidade. Por isso somos tão inconformados, porque andamos sempre à procura daquela adrenalina que só o prazer em estado puro, i.e, a felicidade, nos proporciona. Amén!

Depois daquele telefonema tive cerca de quinze dias para orientar a minha vida em Dublin. Foi complicado tendo em conta que não conheço cá ninguém que me pudesse indicar as melhores zonas para alugar casa, dicas e truques locais. Sabia de antemão que alugar sózinha seria impossível porque os senhorios requerem cartas de referências de tudo e mais alguma coisa, além da típica documentação que eu nem sequer tinha (NIF, conta bancária etc...). Sabia também que partilhar casa requer um ritual de castings dificil já que existe demasiada procura para tão pouca oferta. Assim, um quarto para alugar a preços exurbitantes pode ser visitado por cerca de 15 a 20 pessoas que são sujeitas a interrogatórios pelos demais ocupantes do apartamento. No fim, ganha o que pagar primeiro ou o que conseguir impressionar mais. Eu tinha ainda o tempo limitado porque tinha de ir a Lisboa buscar a minha roupa de escritório. As casas que via nas páginas de anúncios pareciam-me velhas, sujas e caras e consegui  fazer uma triagem de cerca de 5 apartamentos dos quais só visitei dois. Estava já a começar a fazer-me à ideia de viver o primeiro mês num Hostal para poder procurar com calma quando soube que tinha sido aceite em ambos apartamentos que tinha visitado. No primeiro tive uma química intelectual espectacular com o dono, um irlandês chamado Gino em homenagem aos cantores de ópera italianos. Tinha a casa decorada com artigos adquiridos em viagens por todo o mundo e tinha uma alma limpa, aventureira e descontraída. Tão descontraída que a casa-de-banho comum estava suja. E eu pensei “se está assim nos dias em que vêm pessoas ver a casa, como não estará nos restantes dias?”. O segundo era um beto yuppie. O apartamento era limpo, novo, com casa-de-banho privada, um quarto enorme com cama King Size só para mim e a dez minutos a pé do escritório. É onde vivo há três meses. Lamentarei para sempre não ter escolhido o Gino mas ter um W.C. só para mim faz com que a vida numa casa partilhada seja muito mais leve e sustentável.

Trabalho numa multinacional de origem alemã com cerca de seiscentos trabalhadores. Entre todos falamos cinquenta e seis línguas e acredito que haverá perto duma centena de nacionalidades. É incrível. É como trabalhar na ONU mas sem ter de levar com as mentiras “do mundo melhor”. As perspectivas de crescimento são grandes (embora limitadas) e o cuidado com que os trabalhadores são tratados são factores que eu jamais tinha visto. Não existem hierarquias. As equipas dividem-se por sub-equipas. Existem pessoas de referência dentro de cada sub-equipa mas cada um é responsável pelo seu trabalho. Não faz falta um chefe para eu saber que tenho de fazer isto ou aquilo. A própria rotina diária me faz sentir responsável pelo meu trabalho. Eu sei que se não fizer, os meus colegas de equipa dar-se-ão conta das minhas faltas. O ambiente é descontraído e cada um aporta algo de novo e rico todos os dias. Desempenho uma função para a qual não me preparei académicamente e que não dá especial prazer mas ir trabalhar de manhã não é um esforço.

Financeiramente a Irlanda está a mil anos-luz de Portugal. A empresa tem montes de portugueses, que desempenham aqui num país cheio de frio e escuridão, tarefas que podiam perfeitamente desempenhar em Portugal mas pelas quais seriam pelos menos duas vezes mais mal pagos e teriam mais exigências a nivéis de esforço e trabalho. O mercado tem muitas ofertas portanto quem perde um trabalho à partida encontra outro rápidamente. A equação é, pois, muito fácil. A maioria acaba por ficar “um ano mais” até que ficam a vida toda.

Mesmo assim, a Irlanda não é o melhor país para viver porque o preço das casas e transportes não acompanha o valor dos salários. Quem está acompanhado, em familia etc...talvez não sinta tanto porque as despesas acabam por ser partilhadas e os bens de consumo básico (alimentação higiene) são extremamente baratos e de alta qualidade. Porém, quem é solteiro só fica com a vida resolvida a trabalhar na Irlanda se tiver uma dedicação exclusiva ao trabalho e abdicar de gastar em qualquer extra.

Depois está a questão da socialização. Jamais em toda a minha vida tinha tido problemas para fazer amigos. Na Irlanda garanto-vos que é tarefa árdua. Só muita força de vontade e sorte faz com que se tropece numa ou noutra pessoa. Eu estou há quase quatro meses em Dublin e não tropecei em práticamente ninguém. O tempo não motiva porque está sempre de noite, a fazer frio, a chover ou a nevar e a minha cidade irlandesa é a cidade com o clima mais agradável em todo o país. A vida é sempre mais bonita em companhia e por isso mesmo não desisto. Tento sempre procurar uma auto-motivação para sair e descobrir novos lugares, embora esteja a 0,0001% daquilo que fui. Ao fim de três meses em Madrid, Maputo ou Skopje já conhecia todos os cantos dignos duma visita. Aqui nem sequer sei quais são as ruas principais.

Eu vejo sempre o copo meio cheio, sempre sempre. É isso que me faz andar para a frente. Mas quando hoje olho para trás vejo que a Irlanda tem sido o país mais dificil que aterrar. Estar a ponto de ser “expulsa” dum autocarro na Bosnia, no meio dumas montanhas cheias de minas herdadas da guerra dos Balcãs não é nada comparado com a dureza da Irlanda. Ser abordada pela polícia moçambicana é papas de açorda- Talvez seja porque a Irlanda encerra (espero eu) o periodo mais negro da minha vida, talvez seja porque este clima não é mesmo para meninos, o certo é que desta vez não vos vou contar histórias com finais felizes.

Mesmo assim não me arrependo em nenhum momento de ter vindo para cá. Mudaria algumas coisas tais como aqueles primeiros meses em Cork à espera dum milagre laboral. Tinha de ter agido mais rápido. 
A Irlanda devolveu-me a minha dignidade laboral, o meu espírito independente e senhor dono do meu nariz. Agora posso sonhar outra vez e concretizar alguns desses sonhos que precisam de um bom background financeiro (A-F-R-I-C-A). Em Portugal estaria com a cabeça baixa, a queixar-me de tudo. Não, definitivamente o meu lugar não é o meu país. Bem dita a hora que aproveitei o último fôlego que me restava, fiz as malas e parti outra vez.

Contudo e, já para concluir, eu vim à procura dum balanço entre pessoal e profissional mas a minha balança estragou-se. Foi num súbtil momento que eu agora já consigo mais ou menos identificar. Não posso forçar a reparação embora deseje muito encontrar o equilibrio. Tenho 336 dias (Janeiro  já passou) para dar a mão à palmatória à Irlanda. Semanas e semanas de oportunidades que eu tenho para dar a este país verde e bonito mas também é verdade que só se vive uma vez. Quando esta quantidade de dias chegar ao fim, se a balança continuar avariada, não estranhem se encontrarem no parte superior deste blog um novo separador com nome de país ou cidade. Porque as peripécias são para ser vividas e não para roubarem brilhos no olhar...

Desejo-vos,pois, uma vida a abarrotar de peripécias.

Rio Liffey Dezembro de 2014

Vista parcial de Dublin desde o ponto mais alto da cidade