quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Évora

“Évora mortuária, encruzilhada de raças, ossuário dos séculos e dos sonhos dos homens.” Vergílio Ferreira, “Aparição”, 1959
 
Praça do Giraldo
fonte:google.pt
No início de Janeiro fui visitada por umas amigas castelhanas. Quando me perguntaram quais os sítios de visita obrigatória num percurso de quatro dias, não hesitei em sugerir Évora. Não foi ao acaso, claro está, porque sou filha, neta, bisneta, trisneta (e por ai fora) de alentejanos mas desenganem-se se acham que foi uma sugestão tendenciosa. Fiquem sabendo que quando os meus amigos de fora me pedem sugestões eu menciono sempre Lisboa, Sintra, Porto e Óbidos por esta ordem. No entanto, por mais terras e gentes que conheça por esse mundo fora, continuo a achar que não há cidade mais bonita que Lisboa e gente mais encantadora que os alentejanos. Acrescenta-se a admiração que sinto por eles como unidade. Se hoje posso escrever este texto em português é porque um dia os alentejanos (que ainda não o eram) lutaram contra a ocupação do inimigo, fosse mouro, fosse castelhano. E se hoje em dia se permite às pessoas agirem segundo as sua próprias convicções (e isto é discutível) é porque os alentejanos resistiram à ditadura salazarista através de uma malha de clandestinidade que foi responsável, em parte, pela chegada da Democracia a Portugal, em 1974.

À parte as razões histórico-sociais, existem, para mim, um sem fim de razões emocionais que me ligam ao Alentejo. E posso-vos garantir que o Alentejo tem um cheiro, um sabor, uma cor e um ritmo únicos. É a atmosfera das aldeias caíadas de branco, com uma igreja, uma Casa do Povo, um posto da guarda e um cemitério. Com velhinhas vestidas de negro que passeiam para cá e para lá com muita genica, que dormem a sesta pela “hora da calma” e que não são codrilheiras porque estão sempre sem vagar, sempre de abalada. Das casas com postigos com cortinas de renda feitas à mão que escondem segredos que só às próprias famílias dizem respeito mas que são do conhecimento de toda a aldeia e que, não raras vezes, dão origem às alcunhas e apelidos mais insólitos ( a minha família tem uma alcunha mas eu não vou contar qual é). De vizinhas que nas noites de Verão se sentam à porta a conversar, sentadas nos mouchos de produção caseira e que, quando passa um “forasteiro”, perguntam sem papas na língua “Então e vocemessê de quem é? quem é su mãe?”, enquanto os gaiatos brincam na coutada. O Alentejo do gaspacho e da açorda, pratos hoje em dia considerados de elite, mas que outrora  mataram a fome aos desgraçados que trabalhavam de sol a sol na ceifa, na apanha disto, daquilo e do outro. Do papo-seco, da gotinha de café e do acento doce e acolhedor que termina sempre na prolongação das vogais.

O passeio

Bom, posto isto, vou passar a relatar a minha ultima visita à bonita Évora 
A cidade existe desde a época romana mas foi no período árabe que ganhou maior relevância. Na Idade Média foi um importante centro artístico e cultural mas caíu em desgraça com a invasão dos Filipes.Hoje em dia é a capital do Alentejo e um dos mais importantes campus universitários do país. Em 1986 foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO.

Tendo como ponto de partida a Praça do Giraldo, dirigimo-nos ao Posto de Turismo e o funcionário avisou-nos que o passeio turístico demoraria, como muito, duas horas. Mas nem por isso, são duas horas aborrecidas, ou menos interessantes porque Évora tem muitos recantos com histórias, vistas bonitas e detalhes cheios de graça.
Logo ali no Giraldo, tomámos uma bica no café Arcada e seguimos pela televisão o luto nacional pelo Eusébio. Fomos abordadas por um local que tinha um parafuso a menos e que nos garantiu que logo aparecia para pormos a conversa em dia. Felizmente, não lhe voltámos a por a vista em cima!

Catedral

Seguimos pela Rua 5 de Outubro e fomos dar ao largo da Catedral. A Catedral é uma construção dos séculos XII e XIII em estilo gótico. Torna-se diferente porque se assemelha mais a uma fortaleza e não tem um desenho assimétrico. A entrada tem o valor de 1,5€ a 2€.
Depois virámos à esquerda e encontrámos quase imediatamente de frente o famoso templo, construído nos séculos II ou III e comumente denominado “Templo de Diana” embora não se saiba precisar exactamente a que divindade foi dedicado.
Mesmo ao lado do templo está o antigo Convento dos Loios, convertido em pousada e o Palácio dos Duques de Cadaval. A entrada no Palácio custa 5€ consoante se faça com ou sem visita ao Claustro. Nós não entramos. Embora seja compreensível que a conservação dos monumentos tenha gastos muito elevados e, pelo qual, devemos pagar algo, considero que esse algo deverá ser simbólico, sobretudo se se trata da visita a uma casa onde viveu uma família abastada, nobre e que alcançou esse mérito sabe-se lá como.

"Templo de Diana"

Desfrutámos das vistas do Miradouro e seguimos para a Antiga Universidade. Estava fechada, portanto não pude mostrar às minhas amigas o Claustro e as salas de aula tão antigas como bonitas.

Continuámos em direção ao Largo das Portas da Moura e caminhámos por ruas estreitinhas até chegarmos à Igreja de São Francisco, cujo principal atrativo é a Capela dos Ossos.
Esta capela foi construída no século XVII e tem uma aparência macabra já que está revestida de milhares de ossadas e dois esqueletos inteiros pendurados por umas correntes. No pórtico da entrada está escrita a enigmática frase “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos” e convida à reflexão sobre a morte e a efemeridade da vida, motivo pelo qual três monges a construíram.
 
Capela dos Ossos
Fonte: historiadeportugal.info
Depois andámos por ali a circular e esquecemo-nos de ir visitar o Aqueduto e o Miradouro do Alto de São Bento. Perguntámos aos eborenses o melhor sítio para comprar pupias ou costas (bolos secos típicos da região) mas ninguém nos soube indicar. Por isso, fomos a uma cadeia de supermercados e comprámo-los lá. Fiquei um pouco desiludida por verificar que já não existem senhoras que fabricam clandestinamente nas suas casas bolos e pão da região.

Certamente, mais sítios na cidade haveria para visitar e, não dúvido que Évora e os arredores, oferecem uma data de ofertas para passar fins-de-semana com encanto e desfrutar da calma que caracteriza o Alentejo.
  
Onde comer?

Contou-me uma amiga de apelido Passarinho (eu não vos disse que os alentejanos têm sempre nomes e alcunhas muito insólitos?), originária de Elvas e antiga estudante universitária em Évora, que no Restaurante “A Pipa” , na Rua Serpa Pinto, se come bem, assim como no “O Lavrador”, na Rua de Machede, e que “O Burladero”, perto das Portas de Avis, é óptimo para o petisco.
Contou-me ainda que as tascas “As Cozinhas de São Francisco”, perto da Capela dos Ossos, e a “Sicnic”, perto da Horta das Figueiras, são as melhores para comer caracóis. E para os mais gulosos há diversas pastelarias que fazem a diferença, inclusivé uma que está aberta à noite, a “Académica”.

Para finalizar, contou-me a minha amiga que a tasca “Manel dos Potes” é o melhor sítio para tomar um abafadinho (há uma no mercado em frente à Capela dos Ossos e outra entre o Giraldo e as Portas de Moura).

Sugestão:

Há muitos anos li a obra “Aparição”, Vergílio Ferreira. A ação desenrola-se em Évora e é, à parte de uma óptima escolha de leitura – embora um pouco intensa- uma óptima guia e convite para uma visita à cidade.


“Lavei-me enfim, mudei de roupa, saí para o Liceu, com uma tranquilidade nova. A cidade resplandescia  um sol familiar, branca, enredada de ruas como  de velhas ciladas, semeada de ruínas, de arcos partidos, nichos de santos das orações de outras eras, janelas góticas, como olhares embiocados...É como se aqui ouvisse ainda a tragédia da planície nos teus corais de camponeses. Subo a rua que leva à Sé, viro ao largo do Templo de Diana. E nas colunas solitárias ouço como o murmúrio antigo de uma floresta imóvel. O zimbório da Sé brilha, dourado ao sol matinal. Fico a olhá-lo longo tempo, parado sob um arco que se lança sobre a rua, suspenso de silêncio e de memória. Depois as ruas descem apressadas, oblíquas, velhos medos, até outras ruas obscuras, onde me perco.” Vergílio Ferreira, “Aparição”, edições Quetzal

Nós com a Maité detrás da câmara