domingo, 28 de dezembro de 2014

A luz de Lisboa

Belém, Outubro de 2013 (dia de um reencontro muito especial)
Assim que o avião começou a sobrevoar a foz do Sado a paisagem vista da mínuscula janela encheu-se daquela luz que só Lisboa tem. Aiiii, e já sei que sou uma melga porque repito sempre isto mas Lisboa é tão boa, tão bonita, tão única. Porque será que não há lá forma para todas as botas?

Aproveitem vocês que estão ai e fazem de Lisboa e de Portugal um lugar deveras especial...A luz só por si não brilha sem vocês.

FELIZ NATAL
O meu Natal 2014 em família

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vitamina D

Antes de voltar às "peripécias" passei por aqui só para dizer que preciso de SOL e de SUL


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Insólitos Irlanda #9


Sabem quando vamos a um restaurante pré-pagamento e a comida que pedimos ainda não está cozinhada? Normalmente há duas opções: ou ficamos no balcão, junto à caixa e esperamos, ou nos sentamos e depois o empregado vem trazer à mesa.

Na Irlanda, numa situação semelhante, o empregado da caixa entrega-nos uma maquineta e diz para esperarmos sentados. Quando a nossa comida está pronta, a maquineta farta-se de piscar umas luzinhas vermelhas visivéis até do outro lado do mundo. Dirigimo-nos ao balcão et voilá!


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Peripécias irlandesas: Hostal III

Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.

Bom, não quero que fiquem a pensar que as pessoas que estão nos hostal pertencem todas a um estereotipo psicológico que varia entre o louco e pirou de vez. Muito pelo contrário, nesta minha experiência encontrei pessoas incrivelmente simpáticas e lutadoras. Partilhei quarto com mais de trinta pessoas em meia-dúzia de dias. Os cromos contam-se pelos dedos de uma mão. Todas as demais pessoas com quem me fui relacionando eram muito agradáveis. É impossível falar com toda a gente que está de passagem por um Hostal, mas hà sempre caras que se repetem porque têm os mesmo horários de refeição ou os mesmos hábitos.

O Abraham´s Hostal deixa muito a desejar em termos de instalações, mas por ser o mais barato da cidade é muito procurado para instâncias de vários dias. Foi por isso que conheci muitos jovens, sobretudo espanhóis, que estavam nas mesmas condições que eu. Tinham deixado para trás os seus países e traziam na bagagem formações topo de gama e vontade de fugir ao desemprego. Os espanhóis vêm sempre dispostos a trabalhar em qualquer coisa porque sabem à partida que o nível básico de Inglês que têm não lhes permite inicialmente sonhar muito além dos típicos trabalhos não-qualificados. Era frustrante encontrar-nos cada final de tarde na cozinha, cada um sumido no seu silêncio. Quando abriamos a boca era para contar onde tínhamos ido distribuir CV´s. Cada dia uma nova ilusão que se acabava por se romper semanas depois. Eu estive assim demasiado tempo para saber o quão dificil é e compreendo aquela sensação de desespero e de inutilidade que se vai instalando em nós, quando já buscámos em todas as partes e não encontrámos um emprego que nos devolva alguma dignidade. O dinheiro vai diminuindo na conta e o caminho começa a ser tão estreito que o ar parece que rareia. E o mais frustrante é que o dia que encontramos um trabalho não podemos acreditar. Achamos que a qualquer momento nos vão ligar a dizer “desculpe mas foi engano. Você não vale para este posto, nem para nenhum outro. Vamos dá-lo a outro desgraçado”

Foi, pois, com grande alegria, que as primeiras pessoas a saberem que tinha encontrado um trabalho, foram os companheiros de Hostal. Foi uma coincidência. Eu estava na cozinha metida comigo mesma e com a cara quase dentro do ecrã. À minha volta estavam três ou quatro caras conhecidas igualmente sumidas. Ligaram-me para dizer que o posto era meu e quando desliguei fiquei abobada. Levantei a vista  e estavam todos a olhar para mim. Foi então que lhes disse “Tengo trabajo, I got a job” e todos aplaudiram.  Dias antes tinha estado num hotel em Madrid com muito mais estrelas que o Abraham´s (que em caso de ter estrelas devem ser cadentes) e tinha sentido um vazio e uma solidão muito maiores que a familiaridade que sentia no Hostal.

Não sou hipócrita e sei perfeitamente que não quero voltar a repetir a experiência. Adoro chegar à minha casa e encontrar tudo limpo e organizado. Gosto de ter os meus shampôos todos dispostos na banheira, sem estarem encafuados numa bolsinha. Se me apetece ando descalça e nem por isso apanho pé-de-atleta. Se desaparecer alguma coisa é porque a mudei de lugar e não me lembro, e não porque alguém a roubou. Mesmo assim, vejo que a vida está cheia de malditos atalhos que nos vão maltratando e deixando marcas. Umas esquecem-se rápidamente, outras nem por isso. Uns arriscamos e vivemos mais. Outros nem por isso. Talvez aos olhos desses outros, estes relatos das minhas peripécias não passem de loucuras, de perdas de tempo, de coisas sem utilidade. Mas há sempre alguém, algum livro, alguma paisagem nos quais tropeçamos que fazem com que cada segundo destes “tempos perdidos” valham a pena. Que justificam o sofrimento, a solidão e o rancor que tantas vezes sentimos quando escolhemos viver fora da “zona verde”.

Da experiência de viver num Hostal, trago além de todas estas histórias e outras tantas às quais vos poupei, três pessoas: o Manel e o Pedro, dois portugueses da margem Sul e a Francis, uma canadiana de 75 anos que ainda viaja de mochila.
Eu já tinha feito o check-out e pensava que já não voltaria a ver essa Lady tão simpática e jovem (que há noite se transformava numa máquina de roncar com direito a diferentes ritmos e sinfonias). Eis que numa dessas casualidades que a vida tem a voltei a encontrar nas ruas de Dublin. Fomos caminhar e almoçar juntas e falámos muito sobre muitos assuntos: livros, viagens, família etc...Ela dizia que tínhamos o mesmo sentido de humor. Foi-me levar ao meu novo Hostal e na despedida disse-me algo que me marcou muito e fez com que me emocionasse. Disse-me que nunca mais me esqueceria. Garanto-vos que se alguém jovem me dissesse o mesmo não teria um impacto tão grande. Que uma pessoa de 75 anos, depois de ter vivido tanto, viajado por aí e conhecido tanta gente me diga isso é porque realmente houve algo que fez com que eu me tornasse especial para ela.  

TO BE CONTINUED...

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O que é doce nunca amargou...

Desculpem a presunção mas não se pode ser sempre humildezinha.
Uma pessoa gosta de ouvir ao longo dos anos coisas como "aii tu és tão parecida com aquela actriz..." ou "Ui fazes-me lembrar a cantora tal"

Hoje no trabalho disseram-me que pareço uma das actrizes dum filme do Fellini (não vou dizer qual)...e foi uma senhora casada e já entradota de idade que me disse, ou seja, sem segunda sintenções.

Ufff...os cremes funcionam mesmo :)

Fellini
E ter dado beijos ao Marcello Mastroianni teria sido mamma mia!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Peripécias irlandesas: Hostal II

Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.

Quando voltei de viagem só tive vaga na casa dos horrores aka Abraham´s Hostal um par de dias mais por isso mudei-me para o Kinlay House Hostal, mesmo em frente ao Castelo de Dublin.

Enganam-se se pensam que tive vida de princesa. O quarto feminino de seis/oito beliches do anterior hostal foi substituído por uma camarata mista de dezoito camas. Acrescenta-se o facto de ter chegado na véspera de Halloween. Havia um rodopio tremendo de lobisomens e bruxas que podiam facilmente ser confundidas com senhoras da vida. A luz estava constantemente acessa e eu estava na cama de cima a levar com toda aquela incandescência. Até fiquei bronzeada! Depois, dormir em frente a tão Eminente monumento como vem a ser o Castelo de Dublin pode eventualmente ser interessante para os nepónicos que gostam muito de fazer fotos. Na prática não tem interesse nenhum porque os sinos tocam a cada quinze minutos. 
Entretanto, a gang do ronco tinha-se multiplicado quais coelhinhos e naquele quarto não se podia dormir. A noite de Halloween tinha vindo de golpe direitinha a mim, logo eu que só queria estar na minha cama tranquilamente a ler.

“Se não podes com eles, junta-te a eles”. Foi que fiz e nem precisei pestanejar.  Sabem aqueles autocolantes que se usam no Verão para atrair moscas? Eu venho equipada de fábrica com uma coisa do género, mas em vez de atraír moscas, atraí cromos:

Cromo 2: Gay até na maneira de respirar, brasileiro, trinta e dois anos, giro, giro, giro.

Cromo: “Hello, I am from Brazil and you?”
Sónia: Ah, eu sou de Portugal.
C: Oi?
S: Eu disse que sou de Portugal
C: Oi? Ah,entendi…Nossa, so we can speak portuguese, don´t you think so?
S: Claro! De onde é que és mesmo lá no Brasil?
C:Oi? Sorry?
S: Qual é a tua cidade lá no Brasil?
C: Ah, eu sou do Rio. Nossa, os portugueses falam bonitinho mas é bem dificil entender vocêis.
S:LOL
C: Adoro Paris. É a minha cidade de sonho. De onde é você lá em Portugal?

...

Depois de termos encontrado uma zona de conforto no portinglish ele disse-me que estava triste. A minha cabeça gritou-me “ainda estás a tempo de te despedires educamente e de te virares para o outro lado”, mas o meu coração AAAHHH O MEU CORAÇÃO esse maldito coscuvilheiro não se conseguiu conter e perguntou-lhe o que se passava. Contou-me que o namorado o tinha deixado mas mesmo assim ele o tinha convidado para a festa de Halloween. Se o namorado estivesse receptivo a uma reconciliação ele alinhava. Mas se o namorado não estivesse “se fodeu”. Contou-me que o plano dele era beijar toda a gente que estivesse na festa, escarrapachado na cara do outro. Eu apelei ao bom-senso e à auto-estima dele mas ele já não me ouvia. Aliás, estava tão absorvido pelo seu próprio mundo que dava duas stickadas de perfume na roupa, pousava o frasco, e voltava a agarrar nele dois segundos depois para dar mais stickadas. Pelo menos cheiroso devia estar!

...

No outro dia encontro-o (forma de dizer porque ele dormia na cama ao lado. Era só abrir os olhos e lá estava ele) e pergunto-lhe como tinham corrido as coisas. Falou, falou, falou só para me dizer que tinham corrido mal. O outro não queria nem saber dele e, por isso, ele tinha tido uma grande canseira a tentar seduzir pessoas na festa e tinha bebido até “cair di porri”.  Já ao final da tarde, voltei a encontrá-lo e comentou comigo que o namorado ia passar pelo Hostal a apanhá-lo para irem tomar algo e que ele, embora soubesse que o outro não merecia, tinha-lhe comprado um presente caro.


TO BE CONTINUED...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Peripécias irlandesas: Hostal I

Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.

Depois da experiência Aupair chegou a vez de dar passo a um novo e não menos surpreendente capítulo da minha vida: viver num Hostal.

Talvez viver não seja bem o termo, porque o objectivo inicial era hospedar-me apenas por uns dias enquanto procurava trabalho em Dublin e ia e voltava de Madrid. Tinha esperança que me dessem o posto de trabalho que ocupo actualmente, mas confesso que estava já tão céptica em relação a tudo que nem criei demasiadas expectativas. Só queria encontrar um trabalho, ganhar dinheiro, pagar as minhas contas e voltar a viver de forma independente. Para isso precisava estar no centro de Dublin e como não conheço ninguém nesta cidade, procurei um hostal cêntrico e o mais barato possível. Abraham´s Hostal, numa paralela da O´Connell Street foi o escolhido. Além de ser barato, incluí matabicho e no tripadvisor tinha críticas positivas. Embora a limpeza tivesse uma cotação baixa, os hóspedes pareciam excepcionalmente satisfeitos com o staff e com a organização do hostal (ou foram pagos para cotizarem ou não calharam irremediávelmente com a cabra ruiva da recepção).

Descrever como uma experiência negativa não seria de todo justo mas...
É extremamente incómodo partilhar um quarto minúsculo com seis ou oito raparigas. Umas que roncam, outras estão tão animadas com a viagem que  em vez de se dedicarem a dormir, dedicam-se a dar voltas no beliche da loja dos trezentos e a desgraçada que está na cama de baixo (ou de cima) tem de levar com aquele chiar suplicante toda a puta santa noite. Depois os W.C. partilhados são óptimos museus de memória de cabelos que estiveram nas cabeças de alguém e que já não estão...e há sempre algum objecto pessoal que desaparece e fica aquele ambiente estranho num espaço de quatro metros quadrados e apinhado de beliches. Quase se ouve aquela gota do suor nervosa a escorrer na espinha.

No primeiro dia é divertido porque cada pessoa que chega é de um país diferente. No meu primeiro dia ainda nem tinha os dois pés dentro do quarto e já tinha uma miuda asiática a perguntar-me “Whele you come flom?”. Sorri e respondi educadamente. Calamba, que culiosidade, a tipa ia dileitinha a Lisboa no dia a seguil. Claro, que lhe escrevi uma longa lista de locais recomendáveis, entre os quais o Martim Moniz (ihihihihihhi). Mas depois, invariávelmente começa um desfiladeiro de perguntas standard e das cromas do costume (eu sei que para algumas eu também devo ser croma).

Croma 1: Na cama em frente à minha estava uma miuda de cabelos compridos, pesadona sem ser gorda, que ora lia um livro, ora falava em inglês com sotaque francês. Perguntou-me de onde era e eu devolvi a pergunta. Quando me disse Israel respondi com um sorriso algo forçado “Ah, que fixe! Nunca conheci ninguém de Israel” (precisamente eu andava metida numas discussões pseudointelectuais pró-palestina). Contou-me que cada dois anos o avô convida toda a família para uma larga viagem e no ano anterior tinham estado em Portugal. Eu falei-lhe no meu adorado filme “ A viagem do director” e já não sei em que momento é que a conversa descambou para o tema óbvio. Bom, nesse momento a miuda de cabelos compridos foi embora e deu passo à croma na sua essência. Nalguns argumentos tinha razão. Óbviamente que os dirigentes palestinianos não são inocentes mas, a tipa estava super orgulhosa de ter feito a tropa, da mesma forma que as miudas portuguesas estão orgulhosas de ir cinema com as amigas num Sábado à tarde. Reconheceu que isso lhe trouxe consequência psicológicas irreparáveis e admitiu que a tropa não prepara os israelistas para um eventual ataque bélico à escala mundial, senão exclusivamente para combater os palestinianos. Os exercícios práticos são passar a “fronteira” sem ser vistos, nem mortos pelos palestinianos. Depois começou o discurso anti-islâmico que a meu ver não deveria ser permitido, assim como não o é o discurso anti-semita. Quando eu já desejava que se abrisse um buraco no chão e me engolisse, eis que se abriu a porta da casa-de-banho onde uma das hóspedes tinha estado emergida num banho sem fim qual Cleópatra, e foi assim que me consegui escapulir a uma conversa que me era cada vez menos grata...Só para concluir, antes que a casa-de-banho me engolisse, a croma estava deitada de lado na cama, mesmo em frente a mim, com a cabeça apoiada na mão e com um olhar cada vez mais distante e repetia que estava muito orgulhosa de ser israelista e poder pertencer a um país que tem capacidade de se defender dos mulçumanos e que a Europa estava a cometer um erro terrível ao deixar entrar toda essa “gentalha” ao mesmo tempo que abolia o serviço militar obrigatório...E eu ouvia aquilo e sentia-me cada vez mais orgulhosa de ser europeia.

Abraham´s Hostal

TO BE CONTINUED...

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Peripécias irlandesas: Au pair

Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.

Quando escrevi este texto acabava de atravessar uma fase dificil depois de oito semanas a procurar trabalho e a sentir-me perdida e sózinha. Tentava agarrar-me à restia de criatividade que ainda tinha mas para mim  o caminho estava a ficar cada vez mais sem saídas. Ou voltava para casa sem ter conseguido nada além de uma grande frustração, ou continuava na Irlanda mas para isso teria de dar alguns retoques nos planos que havia traçado para mim.
Na vida dos imigrantes, os trabalhos de Kitchen Porter estão para os homens, como os trabalhos de babysitter estão para as mulheres, ou seja, quase o último recurso, porque além de serem mal pagos, exigem uma carga laboral muito grande e uma energia que nem o Tarzan tem. Inscrevi-me na página das Aupair na Irlanda e começaram a aparecer diferentes propostas. Era pegar ou largar. Fui contactada por várias familia e fiz uma pré-seleção de cerca de quatro delas. Por exclusão de partes, escolhi uma família no Condado de Kildare, com dois pequenos gémeos de seis meses.

Assim, no inicio de Setembro deixei Cork, fiz as malas e levei uma lista de coisas que queria fazer nos tempos livres para ganhar uns trocos extra. Depois duma brainstorming com uma amiga, cheguei à conclusão que o melhor seria procurar trabalhos como tradutora. Não ia demasiado animada porque trabalhar como babysitter. Fugia em muito ao meu objectivo inicial, mas ia de cabeça erguida, com energia para agarrar o novo projecto e, sobretudo, com um sorriso na cara porque o mundo não tinha a culpa das minhas desavenças internas.

Fui recebida por uma familia de classe média-alta (diria talvez mais alta que média), numa casa de campo deslumbrante, no meio do nada. A loja mais perto estava a cerca de meia-hora a pé, assim como a única farmácia, supermercado e estéticista num raio de não sei quantos kilómetros.Não me importei. Era tratada com educação, tinha longas conversas com a mãe dos amorosos gémeos e toda a comunicação era feita em inglês o que me ajudou bastante. Como a mãe é professora de Educação Física, magrérrima mas convencida de estar à beira da obesidade mórbida (confesso que me inspirei nela para escrever este texto), toda a comida era biológia, home-made, todos os dias fazíamos caminhadas de passo rápido pelos magníficos campos irlandeses e depois de jantar uma sessão de Insanity. Era óptimo e estava feliz com a minha rotina saudável. As noites eram terminadas num quarto com decoração de revista e com uma casa-de-banho privada enorme.

Até aqui tudo óptimo mas, assim que cheguei percebi que o meu velho computador se negava a conectar à wireless da casa, portanto os planos de trabalhar como tradutora estavam fora de questão. Assim como os planos de fazer cursos à distância, procurar trabalhos ou escrever longos e-mails aos meus amigos. Nunca se opuseram a que eu usasse o computador lá de casa ou o ipad, mas a verdade é que era dificil escrever num apple com teclado irlandês, entre outras pequenas comodidades perdidas tais como a privacidade ao fazer downloads de coisas que me enviavam por e-mail etc...Depois cada vez que me tinha de deslocar a Dublin porque a família ia passar o dia com os amigos/familiares, tinha de gastar muito dinheiro em transportes. O salário de aupair não está mal mas não é nenhuma fortuna e muito menos compatível com o standard de vida. Por fim, viver no local de trabalho não é de todo recomendável porque é um non-stop na actividade laboral, assim como na relação com os “colegas”, neste caso os pais dos gémeos.

No inicio de Outubro disse à mãe que ficaria até ao final do mês porque precisava de outros recursos financeiros. Ela não só não se opôs, como se alegrou. Acredito que para ela também tenha sido intenso passar tanto tempo sózinha com uma estranha de sotaque português, dois bebés que não a deixavam dormir à noite e um marido sumido de espírito e útil apenas nas tarefas mínimas. Depois um milagre aconteceu e fui chamada para a primeira entrevista do meu actual trabalho e, mais tarde, para a segunda entrevista.

Então, eu acho que se não tiverem uma pressão muito grande para ganharem dinheiro e se conseguirem trabalhar abstraíndo-se da relação intensa que se cria com a familia de acolhimento, aupair pode ser uma boa opção. O contacto com a cultura e a língua é total. A mim ajudou-me muito a estar mais confiante na hora de falar inglês, assim como na curiosidade que tinha sobre muitos tópicos da cultura irlandesa.  Contudo, sofri com a falta de tempo para coçar o nariz. Cuidar de dois bebés é um compromisso de 24 horas. A privacidade só existe quando há uma porta fechada. Eu só estava “livre” à noite, no meu quarto de revista e mesmo assim não era uma liberdade total. Depois, há alturas em que vemos que as crianças estão a ser mal habituadas mas não somos quem para o dizer aos pais. No meu caso, a mãe não queria ouvir os bebés a chorar. A única forma de o evitar era estando constantemente a entretê-los ou a pegar-lhes ao colo, num ciclo vicioso. Um dos gémeos era muito gordinho, robusto e adorava-me, portanto acabava sempre no meu colo e eu acabei com as costas feitas num oito. Por fim, embora a família fosse extremamente amável comigo, eu era a babysitter e imigrante. Nunca senti por parte deles qualquer hostilidade em relação a isso, mas algumas vezes vinham a casa amigos que me tratavam educadamente como a empregada. Creio que ao facto de serem preconceituosos, juntava-se o factor classe social, porque estamos a falar de pessoas de classe alta (tudo fachada, porque a mãe era muito cínica e assim que eles iam embora contava-me todos os podres e a maioria andava com os tostões mais contados que eu).

Depois, por fim, encontrei um trabalho. Meus caros, tudo nesta vida é experiência adquirida e sumada. Não desistam de ser livres nos vossos sonhos. E sonhem um sonho, detrás do outro.

"Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer..." Pedra Filosofal, Manuel Freire

cama com colchão aquecido

banhos de luxo
TO BE CONTINUED...