(Este texto
está escrito com base nos testemunhos de moçambicanos e leituras aleatórias que
efectuei ao longo dos anos. Não é um texto cientifico. Acima de tudo, expõe a
minha visão assumidamente parcial sobre o tema.)
O
Lobolo é uma prática ancestral com um peso muito grande na sociedade
moçambicana até aos dias de hoje.
Do
ponto de vista cultural pode ser comparado ao nosso antigo dote. Do ponto de
vista puro e duro trata-se de uma compra: a família do noivo compra uma mulher
mediante um pagamento em numero e/ou género à sua família.
Antigamente
esse pagamento era feito como forma de agradecimento à familia da noiva por
tê-la criado, educado e preparado para que fora uma boa mãe e esposa.
Sobretudo, era muito apreciado (e bem pago) o facto de a noiva casar virgem.
Porém, o lobolo, era acima de tudo, uma recompensa à família da noiva pela
perda de uma filha (veja-se que o significado não era meramente afectivo, senão
prático. Perder uma filha significava perder mão-de-obra doméstica).
Para
nós, europeus, é uma prática sexista e retrógada. Contudo, para os moçambicanos
é uma prática actual. Aqueles que não lobolam a mulher têm sempre uma dívida
para com a família dela. A mulher que não é lobolada é uma mulher sem direitos.
Conheci
dois casos de lobolos tardios e dois casos de lobolos feitos nos primeiros anos
de vida em comum. Nos
lobolos tardios, ambos casais mostraram as fotos do casamento e rituais de
lobolo com muito orgulho. As senhoras, mães de não sei quantos filhos e avós de
outros tantos, iam vestidas de véu e grinalda. Os senhores de fraque. Vi fotos
deles a pegarem ao colo delas e a partirem o bolo de noivos com todo o
romanticismo e tradiciolismo inerente a este acto (braços entrecruzados e um dá
um pouco de bolo ao outro). Os “vovôs-noivos” falavam da cerimónia e
demonstravam certo alívio por terem podido pagar a “dívida” que haviam
contraído várias décadas antes com a sua família política. As “vovós-noivas”
falavam do caso ainda com mais alívio porque as mulheres que não são loboladas,
assim como os seus descendentes, não têm qualquer direito sobre o património
familiar. Em caso de viuvez, mesmo que tenham filhos pequenos ou dependentes, a
família do homem pode exigir que estas abandonem a casa familiar e todos os
bens. A mulher lobolada perde o direito aos filhos. Já os filhos da mulher não
lobolada “pertencem” ao tio materno. Como normalmente as mulheres moçambicanas
são totalmente dependentes dos maridos, quando se deparam com esta situação
extrema, são obrigadas a aceitar certas imposições bárbaras. A mais comum é a
obrigação de servirem e manterem relações sexuais com um dos irmãos do defundo
marido, ou seja, com o cunhado. O lobolo é também a justificação para mal
tratar psicológicamente a mulher “eu
paguei por ti portanto vais fazer o que eu quiser”, ou o homem “tu não me
lobolaste portanto não tens nada a ver com a minha vida”.
O
lobolo é um ritual patriarcal, ou seja, é um negócio entre duas famílias que
são representadas pelos homens das mesmas. A família do noivo dirige-se, pois,
à casa da noiva. É-lhe entregue uma lista com algumas exigências. Normalmente a
noiva, os pais delas e os avós deverão ser obsequiados com alguma coisa.
Antigamente, no tempo dos casamentos arranjandos, estas listas eram de extrema
importância e discutiam-se em plenário familiar. Nos tempos modernos todos os
pedidos são aceites porque já foram acordados previamente pelos próprios
noivos.
De
acordo com o ritual, se a família do noivo aceitar, cerca de um mês depois da
primeira visita, voltam a casa da noiva com os presentes. E depois vem a festa
rija. Entre os presentes, é de bom tom oferecer uma bengala, roupa e sapatos ao
pai, um conjunto completo à mãe, capulanas a dar com pau e utensílios de
cozinha.
Existem
mais uma série de detalhes que não domino de todo. Por exemplo, nos dias que
antecedem a cerimónia religiosa, a noiva é totalmente coberta com duas
capulanas unidas por uma barra de linho e é acomodada no chão, em cima de uma
esteira. A família do noivo atira dinheiro e, quando a família da noiva e/ou a
noiva, consideram que é suficiente, a noiva destapa-se. Antigamente, em muitos
casos, o noivo não via a noiva até este momento. Imagino que alguns devem ter
apanhado grandes sustos.
Em
Moçambique a violência doméstica ainda é o pão nosso de cada dia. Existem uma
série de observatórios, gabinetes, comités etc...de apoio e protecção à mulher
mas na prática a mulher ainda é muito vulnerável, o elo mais fraco. A própria
cultura incentiva ao mal trato. O homem que não bate na mulher “não é homem”. E
quando bate, se a mulher decide apresentar queixa às autoridades é “porque não
ama” esse homem de verdade. Existe um ciclo vicioso entre a cultura e a lei. No
caso de a mulher ser lobolada a coisa complica-se, porque se ela decidir que
não quer mais estar com o marido que a espanca, que lhe é infiel, que a
contagiou com uma DST, a própria família dela apresenta-lhe uma série de
entraves. Embora a lei já contemple situações como estas, o peso da cultura
fala mais alto. Neste caso, dita que se a mulher decidir sair de casa e
terminar com o casamento, a sua família terá de devolver o valor do lobolo.
Ora, a família não está disposta a isso e pressiona a mulher a “aguentar” e
manter tudo como até então.
Existe
também o detalhe da multa. Em caso de a mulher lobolada já ter filhos do homem
ele terá de pagar um extra por cada filho.
Nos
tempos modernos o sentido do lobolo foi bastante deturpado. Da lista de
exigências fazem parte muitas frivolidades. De qualquer forma, indaguei por
aqui e acoli qual a opinião das mulheres sobre o assunto e se de alguma forma
se sentiam tratadas pelas familias como “mercadoria”. A maioria reconhece que o
lobolo tem essa faceta mas que o peso da tradição e o orgulho de o seguir à
risca é mais forte que qualquer outro factor.
Tudo
isto que acabei de contar faz parte da História da cultura moçambicana.
Deixo-vos a foto de uma lista de lobolo elaborada há dois meses à qual tive
acesso (mas que não fui
expressamente autorizada a publicar. Bandidagem!)
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