quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pongamos que hablo de Madrid

Cibeles e Correos
"Estás en mi lista de sueños cumplidos" 
Boa Mistura

Quantas vezes vos falei de Madrid? Acredito que a maioria dessas vezes tenham sido coisas boas, maravilhosas, embora me lembre de uma vez ter passado por aqui e ter dito que algo de estranho me passava porque eu não me estava a divertir em Madrid. Hoje em dia já sei qual era o meu "problema" e Madrid, óbviamente, não era a culpada.
E de pensar que Madrid foi um imprevisto na minha vida...a Bolsa já estava ganha, estava tudo pensado para eu ir para Sevilha e aquele e-mail inesperado onde me informavaram que "ah..pois..afinal..não pode estagiar no Consulado de Portugal...". Depois de meses a correr atrás dessa oportunidade não a ia deixar escapar. Faltei ao trabalho e sentei-me toda a tarde no Costa, da Baixa ( e nesse dia conheci uma das minhas almas gémeas, o meu amigo Jan). Enviei centenas de e-mails a centenas de fundações espanholas. Recebi alguns feed-backs e foi a Guadalupe, da África Directo que me convenceu a ir para Madrid. Pensei que as coisas fossem mais dificiéis. A bolsa era de 600€ e metade ia para a renda. Tinha tudo para dar errado mas Madrid facilitou tudo...

A relação que me une a esta cidade inesperada é diferente da que me une a Lisboa. Madrid é ritmo, Lisboa é poesia...Madrid é ruído e movimento, Lisboa é serenidade e delicadeza. Lisboa sofreu e é hoje uma boémia madura. Madrid nem por isso. O melhor de tudo é que uma não substitui a outra, portanto posso estar apaixonada pelas duas sem que se considere infidelidade.

Voltei, pois, a Madrid. Embora saiba que Madrid, reflexo metafórico do seu ritmo alucinante, passa quase directamente do Verão para o Inverno, esperava ainda assim encontrar algum vestígio do Outono. A cidade recebeu-me com vinte e tantos graus e ter-me-ia zangado com ela, não fossem as noites um convite a sair sem casaco. E saí.

Encontrei-a mais fashionista e, reflexo da "crise mentirosa" que levou à ruina tantos empresários de toda la vida, com menos bares castiços e sujos, substituido por outros que deturpam a alma madrileña e, entre outras coisas, cobram 3,50€ por um Rioja servido numa taça-espécie-de-cinzeiro sem tapa, sequer umas míseras batatas fritas de pacote embebidas em óleo rasca. La Latina foi invadida por este espírito. Menos mal que ainda existem tavernas como "El Diamante", mesmo à saída do metro.


bar altamente NÃO-RECOMENDADO na La Latina


Mercado de San Fernando

Tapapiés, SanFernando
O espírito do mercado de bairro tem tudo a ver com os tempos de (suposta) crise que vivemos. Num mundo onde há escassez de alimentos é quase um crime ir ao supermercado e comprar um tabuleiro de seis bifes quando sabemos à partida que só vamos comer quatro; comprar queijo embutido e deixar que crie bolor num canto do frigorifico. O mercado de bairro apresenta-se assim como uma alternativa à compra massiva e despersonalizada. Supõe-se que só compramos o que realmente precisamos e fazemo-lo de forma personalizada e humana. No mercado do meu bairro, em Madrid, a vendedora oferecia-me as ervas aromáticas e ensinava-me receitas de cozinha.

O Mercado de SanFernando encontra-se em processo de abrir portas hà dois anos,i.e, aos pouquinhos vai-se rehabilitando, enchendo de espaços, ideias e caras novas que convivem com as caras de sempre, e sempre ao melhor estilo de Lavapiés. Ao contrário do  primo chique (e óptimo) Mercado de SanMiguel, este novo/velho mercado está pensado para as gentes daquele bairro e o ambiente, como seria de esperar, é bastante alternativo.
Faltou-me tempo para visitar as instalações porque tinha muita fome, muitas conversas para pôr em dia e o dia estava tão agradável que nos convidou descaradamente a ficarmos sentados na escadaria frontal com as tapas no colo (só por este detalhe já podem ver a diferença SanFernando vs. San Miguel).
Mesmo assim investiguei um bocadinho e sei que há uma livraria na qual o preço do livro é estabelecido de acordo com o peso do mesmo. Uma livraria daquelas típicas de Lavapiés para espíritos que sonham diferente e que acreditam nessa tal Liberdade...
E há também uma inovadora loja de coméstica natural criada e gerida por uma botânica e uma química. Não só ajudam a fazer um diagnóstico das necessidades da nossa pele, como criam uma fórmula específica para cada pele que permite desintoxicar a pele das porcarias que nos pomos e hidratar de acordo com as características da mesma.

O Mercado de SanFernando tem força para ser um espaço in alternativo. Eu adorei e dou nota 10!

Madrid das pastelarias: bom ou mau?


Bica e Pastéis de Nata na Plaza Mayor
Quando vivía em Madrid sentia sempre saudades dos encontros nas pastelarias. Ao contrário dos portugueses, que se encontram para "tomar um cafezinho", os espanhóis encontram-se para "tomar una caña". Ao pequeno-almoço comem porras com café e o mais próximo ao bolo de pastelaria que têm são as napolitanas de chocolate e donuts cheios de açúcar. As coisas mudaram e desta vez encontrei Madrid com novas pastelarias que ocupam espaços que outrora foram bares de toda la vida.
Por um lado fiquei satisfeita de ver que os hábitos mudam, por outro lado sinto certa nostalgia desses lugares que deixaram de existir, cheios de papéis e caroços de azeitonas no chão, agora substituídos por sumptuosas montras cheias de luz artificial, brilho e açúcar refinado. Por exemplo, na Plaza Mayor abriu uma sucursal do "Melhor Pastel de Nata do mundo" e, por fiiiiim, Madrid tem uma bica decente e a um preço normal (nunca tão barata como em Portugal).

Resumindo, Madrid continua igual a si própria. Não tive oportunidade de conhecer muitos espaços novos, mas adorei rever amigos e sentir a energia pujante dessa aldeia castiça. Sol contínua a parir gente, o "Tio Pepe" continua lá apesar de ter mudado de casa, os empregados do El Corte Inglés continuam a achar que são parentes da Rainha Sofia, as tapas continuam a fazer arder o estômago e uma clara será sempre uma clara, mas só se for em Madrid.

O calor dos amigos de verdade

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