terça-feira, 18 de maio de 2010

A tradição ainda é o que era

Hoje enquanto fazia o almoço lembrei-me que a minha mãe, até há pouco tempo, tentava convencer-me a usar uma cabeça de alho contra o mau olhado, na minha mala do dia-a-dia . Confesso que me deixei convencer algumas vezes o que resultava, sempre, num cheiro absurdo cada vez que abria a mala para tirar alguma coisa. O costume do alho na mochila foi-me incutido ainda na adolescência e, às vezes, entre gargalhadas, fui alvo de piada, quando os meus colegas, casualmente, se deparavam com o estranho ornamento "Oh Sónia posso levar isto para a minha mãe fazer o jantar??" (que saudades destes tempos da tshirt billabong e ténis airwalk)

A minha mãe tem também outros talentos de magia branca que aplica em contexto familiar: cortar o bicho (o mais bizarro de todos) e, numa tigela cheia de água, coloca azeite para ver se as manchas de azeite se juntam para comprovar outra teoria sobre o mau olhado.

A minha avó idem idem. Também tinha umas teorias muito engraçadas.Entre as quais consta a proibição de comer açorda, melância e vinho tinto (reparem no pormenor de ser tinto e não outro qualquer) durante os dias de menstruação, assim como não lavar a cabeça e evitar o banho porém, a mais inesquecível, e que me faz ficar com pele de galinha e um tornado de saudades e uma angústia muito grande por saber que o tempo já não volta atrás, era o ritual que a minha avó tinha, aprendido com a sua avó, de espreitar para debaixo da cama para ver se estava o "velho"!! (estou-me a rir muito). Considerando que os velhos são todos barrigudos, têm problemas de articulação e ressonam e que a cama da minha avó tinha apenas cerca de 20 cm de espaço entre a cama e o chão, afinal de contas que velho poderia ser este???

A minha Tia Bia, que tem sido bafejada pela má sorte sem no entanto se esquivar a dar e receber kilos e kilos de carinho, quando começa a rir sem parar concluí com a frase "ai que Deus nosso senhor castiga com um dia de tristeza, cada dia de alegria e de gargalhada" (algo assim)

E a minha Tia Alexandrina costumava ter um chá milagroso, plantado no quintal junto ao poço, que curava as dores menstruais...

Tenho pena de ter crescido só entre mulheres. De não ter tido no meu espaço familiar mais próximo um avô ou um tio cheios de ideias absurdas .Gostava de ter conhecido as histórias dos lobisomens que aparecem em arbustros e dos javalis nas malhadas caçados por homens bravos.

As tias, as avós e as mães (sugiro a propósito a leitura do livro de AngelesMastreta , Mulheres de Olhos Grandes) que embora, inconscientemente, nos educaram com alguns monstros culturais que por vezes nos bloquearam, também nos deram matéria cultural para mais tarde, quando nos tornámos adultas e um pouco perdidas na vida, nos sentirmos parte de alguma coisa: de alguma casa, de alguma aldeia, de alguma cultura, de algum momento de partilha entre gerações, de algum cheiro a Verão e a roupa guardada entre sabonetes antigos.

É por tudo isto que eu sei que a Vitória, entre bonecas, colecção de sabrinas e pinotes com o mano, um dia vai sentir esta alegria de sentimento de pertença que eu senti enquanto partia os alhos para fazer os espinafres, ao almoço. Porque tem quem lhe conte estas histórias absurdas que nos fazem a todas um pouco mágicas e "bruxas de cozinha".

1 comentário:

Anónimo disse...

Não percebo a quem é que sais com tanta expressividade???????????lol