quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Crónicas do Porto III: O Mercado do Bolhão



No meu imaginário o Mercado do Bolhão representava a essência do Porto. Desde sempre recordo as campanhas eleitorais passarem por ali e dos políticos, com um ar muito polite, darem beijinhos (enojados) às peixeiras.

Nas outras passagens pelo Porto não tinha tido oportunidade de entrar e ver aquele buliço de gente, cores, cheiros e...decadência. Admito que fosse ingenuidade ou ignorância mas pensava que o Bolhão era um espaço onde apetece estar. Senti, sim, vergonha alheia. E uma quase pena pela pobreza que vi nos feirantes. Jamais, no meu ingénuo imaginário, pensei que o Bolhão oferecesse tamanho espectáculo de decadência a quem o visita. Embora as cores dos legumes, flores, bancas de pão, peixe etc...sejam apelativas, eu pensaria duas vezes antes de comprar o que quer que fosse por questões sanitárias. A família de pombas “bolhanenses” não me inspiram qualquer confiança, assim como as próprias instalações do Mercado.

Intrigada e desapontada resolvi investigar porquê um dos maiores ex-libris da Invicta é “assim”. O que descobri deixou-me com os cabelos em pé. No que toca a política e políticos estamos mesmo metidos num novelo de lã. Afinal, todos são compadres e servem exclusivamente os seus próprios interesses.

Ora vejamos, o mercado “caracteriza-se pela sua monumentalidade, própria da arquitectura neoclássica…”  blá,blá,blá...data de meados do século XIX e desde princípios do século XX que se planeiam reabilitações várias, no entanto, foi na década de 80 que a decadência do Bolhão começou a não poder ser ignorada. Assim, desde (+/-) 1992 até 2007 esteve pensado um projecto de reabilitação do arquitecto Joaquim Massena. Foram criadas várias diligências mas em 2007 a Câmara do Porto decidiu abrir um novo concurso (imagine-se...depois de 15 anos a investir num projecto específico. Digam-me lá se não é atirar dinheiro fora?!). Não vos quero maçar porque sei que vocês já podem adivinhar como termina esta “estória” tão idêntica a outras “estórias” que os nossos amigos, os políticos e os empresários, nos costumam oferecer.

Bom, resumindo, a empresa que ganhou o projecto, a construção e exploração do espaço para os próximos 70 anos, uma empresa imobiliária holandesa, a TramCroNe, prevê a demolição total do interior do Bolhão, por considerar a actual degradação um impedimento à rentabilização. Entre outras maravilhas do mundo civilizado pensam construir um centro comercial, apartamentos de luxo etc...e apenas 3% da área será cedida aos feirantes que fizeram do Bolhão um lugar vivo na cidade do Porto. Sim, 3%!!!Ah e esta medida seria tomada com a total conivência do Presidente da Câmara do Porto.

Como seria de esperar, gerou-se a revolta entre os feirantes que imediatamente receberam o apoio massivo da sociedade portuense e portuguesa. Foram criados movimentos cívicos, recolheram-se assinaturas que foram entregues na Assembleia da República com o objectivo de travar o “assassinato” do Bolhão e da Identidade da cidade e dos cidadãos.

Até ver está tudo em águas de bacalhau mas espero sinceramente que toda esta situação reverta a favor do Bolhão, dos feirantes, dos portuenses e dos turistas. Penso também que o Sr.Rui Rio faltou totalmente ao respeito a todos nós ao ser cúmplice com tamanha barbaridade.  Demonstra que não está nem aí para os interesses gerais.

Por outro lado, aqueles que são cúmplices com este tipo de iniciativas elitistas, demonstram um profundo desconhecimento daquilo que simboliza um mercado desde o ponto de vista histórico, social, cultural e, porque não, antropológico. Desde sempre que os mercados foram espaços vivos, de troca, de negociações, de encontro. São mesmo o único espaço onde me parece que se dá um encontro entre pessoas de qualquer índole política, religiosa etc... Por exemplo: se eu não gostar de ler não vou a bibliotecas, se eu não gostar de centros comerciais não preciso de ir e por aí fora...mas todos precisamos comprar alimentos...

Quem já visitou o Mercado de San Miguel, em Madrid, ou algum mercado londrino, sabe que os mercados têm conteúdo para serem muito mais que um sítio onde se vai apenas comprar comida. Porque não recuperar os mercados de bairro? Porquê construir desenfreadamente centros comercias e espaços esterilizados, desprovidos de Identidade?

E veremos o que será no nosso Mercado da Ribeira, em Lisboa. Até me dá medo...







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