Peripécia - Segundo Aristóteles, "Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário". Assim, poderemos considerar um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da acção dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar.
Quando escrevi este texto acabava de atravessar uma fase dificil depois de oito semanas a procurar trabalho e a sentir-me perdida e sózinha. Tentava agarrar-me à restia de criatividade que ainda tinha mas para mim o caminho estava a ficar cada vez mais sem saídas. Ou voltava para casa sem ter conseguido nada além de uma grande frustração, ou continuava na Irlanda mas para isso teria de dar alguns retoques nos planos que havia traçado para mim.
Quando escrevi este texto acabava de atravessar uma fase dificil depois de oito semanas a procurar trabalho e a sentir-me perdida e sózinha. Tentava agarrar-me à restia de criatividade que ainda tinha mas para mim o caminho estava a ficar cada vez mais sem saídas. Ou voltava para casa sem ter conseguido nada além de uma grande frustração, ou continuava na Irlanda mas para isso teria de dar alguns retoques nos planos que havia traçado para mim.
Na
vida dos imigrantes, os trabalhos de Kitchen Porter estão para os homens, como
os trabalhos de babysitter estão para as mulheres, ou seja, quase o último
recurso, porque além de serem mal pagos, exigem uma carga laboral muito grande e
uma energia que nem o Tarzan tem. Inscrevi-me na página das Aupair na Irlanda e
começaram a aparecer diferentes propostas. Era pegar ou largar. Fui contactada
por várias familia e fiz uma pré-seleção de cerca de quatro delas. Por exclusão
de partes, escolhi uma família no Condado de Kildare, com dois pequenos gémeos
de seis meses.
Assim,
no inicio de Setembro deixei Cork, fiz as malas e levei uma lista de coisas que
queria fazer nos tempos livres para ganhar uns trocos extra. Depois duma brainstorming
com uma amiga, cheguei à conclusão que o melhor seria procurar trabalhos como
tradutora. Não ia demasiado animada porque trabalhar como babysitter. Fugia em
muito ao meu objectivo inicial, mas ia de cabeça erguida, com energia para
agarrar o novo projecto e, sobretudo, com um sorriso na cara porque o mundo não
tinha a culpa das minhas desavenças internas.
Fui
recebida por uma familia de classe média-alta (diria talvez mais alta que média),
numa casa de campo deslumbrante, no meio do nada. A loja mais perto estava a
cerca de meia-hora a pé, assim como a única farmácia, supermercado e estéticista
num raio de não sei quantos kilómetros.Não me importei. Era tratada com educação,
tinha longas conversas com a mãe dos amorosos gémeos e toda a comunicação era
feita em inglês o que me ajudou bastante. Como a mãe é professora de Educação Física,
magrérrima mas convencida de estar à beira da obesidade mórbida (confesso que
me inspirei nela para escrever este texto), toda a comida era biológia,
home-made, todos os dias fazíamos caminhadas de passo rápido pelos magníficos
campos irlandeses e depois de jantar uma sessão de Insanity. Era óptimo e
estava feliz com a minha rotina saudável. As noites eram terminadas num quarto
com decoração de revista e com uma casa-de-banho privada enorme.
Até
aqui tudo óptimo mas, assim que cheguei percebi que o meu velho computador se
negava a conectar à wireless da casa, portanto os planos de trabalhar como
tradutora estavam fora de questão. Assim como os planos de fazer cursos à distância,
procurar trabalhos ou escrever longos e-mails aos meus amigos. Nunca se
opuseram a que eu usasse o computador lá de casa ou o ipad, mas a verdade é que
era dificil escrever num apple com teclado irlandês, entre outras pequenas
comodidades perdidas tais como a privacidade ao fazer downloads de coisas que
me enviavam por e-mail etc...Depois cada vez que me tinha de deslocar a Dublin
porque a família ia passar o dia com os amigos/familiares, tinha de gastar
muito dinheiro em transportes. O salário de aupair não está mal mas não é
nenhuma fortuna e muito menos compatível com o standard de vida. Por fim, viver
no local de trabalho não é de todo recomendável porque é um non-stop na
actividade laboral, assim como na relação com os “colegas”, neste caso os pais
dos gémeos.
No
inicio de Outubro disse à mãe que ficaria até ao final do mês porque precisava de
outros recursos financeiros. Ela não só não se opôs, como se alegrou. Acredito
que para ela também tenha sido intenso passar tanto tempo sózinha com uma
estranha de sotaque português, dois bebés que não a deixavam dormir à noite e
um marido sumido de espírito e útil apenas nas tarefas mínimas. Depois um
milagre aconteceu e fui chamada para a primeira entrevista do meu actual
trabalho e, mais tarde, para a segunda entrevista.
Então,
eu acho que se não tiverem uma pressão muito grande para ganharem dinheiro e se
conseguirem trabalhar abstraíndo-se da relação intensa que se cria com a
familia de acolhimento, aupair pode ser uma boa opção. O contacto com a cultura
e a língua é total. A mim ajudou-me muito a estar mais confiante na hora de
falar inglês, assim como na curiosidade que tinha sobre muitos tópicos da
cultura irlandesa. Contudo, sofri com a
falta de tempo para coçar o nariz. Cuidar de dois bebés é um compromisso de 24
horas. A privacidade só existe quando há uma porta fechada. Eu só estava “livre”
à noite, no meu quarto de revista e mesmo assim não era uma liberdade total. Depois,
há alturas em que vemos que as crianças estão a ser mal habituadas mas não
somos quem para o dizer aos pais. No meu caso, a mãe não queria ouvir os bebés a chorar. A única forma de o evitar era estando constantemente a entretê-los ou
a pegar-lhes ao colo, num ciclo vicioso. Um dos gémeos era muito gordinho, robusto
e adorava-me, portanto acabava sempre no meu colo e eu acabei com as costas
feitas num oito. Por fim, embora a família fosse extremamente amável comigo, eu
era a babysitter e imigrante. Nunca senti por parte deles qualquer hostilidade
em relação a isso, mas algumas vezes vinham a casa amigos que me tratavam educadamente
como a empregada. Creio que ao facto de serem preconceituosos, juntava-se o
factor classe social, porque estamos a falar de pessoas de classe alta (tudo
fachada, porque a mãe era muito cínica e assim que eles iam embora contava-me
todos os podres e a maioria andava com os tostões mais contados que eu).
Depois, por fim, encontrei um trabalho. Meus caros, tudo nesta vida é experiência
adquirida e sumada. Não desistam de ser livres nos vossos sonhos. E sonhem um
sonho, detrás do outro.
"Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer..." Pedra Filosofal, Manuel Freire
cama com colchão aquecido |
banhos de luxo |
TO BE CONTINUED...
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