segunda-feira, 22 de julho de 2013

Viagem a Xai-Xai, província de Gaza


No fim-de-semana passado estivemos em Xai-Xai, capital da provínia de Gaza, a norte de Maputo.
O simpático Padre Alberto, espanhol da Rioja e membro da Ordem dos Mercedários, está a formar uma paróquia em Xai-Xai e pediu uma mãozinha ao David na qualidade de arquitecto. Eu, como apêndice, acompanhei-o.
Foram poucas as oportunidades que tive para sair de Maputo-cidade e, sempre que o fiz, o que mais me impressiona é o facto de assim que se ultrapassam os limites da capital a paisagem muda e transforma-se na África do meu imaginário: pessoa, animais e carga circulam pela beira da estrada ou através de corta-matos numa alegre comunhão de mil cores e o cenário natural é espectacular.

A cidade de Maputo está cheia de lixo. Tanto lixo como nunca vi na minha vida. Dentro das casas, nas ruas, nas lixeiras vivem pessoas etc...O ar por vezes torna-se irrespirável. Junta-se ao lixo a poluição produzidas pelos milhares de carros velhos de circulam por toda a parte.

Assim, sair de Maputo em direcção a Xai-Xai é um regalo para os olhos. Mesmo as casas mais humildes estão bem construídas. Não se limitam à palhota desengonçada com tecto de zinco cheio de buracos. Diria mesmo que as casas mais humildes, i.e, as de palha, quando estão devidamente construídas, são bem mais bonitas que as de cimento. E, normalmente, nas zonas rurais têm anexado à volta um pátio limpo e varrido, com árvores frondosas onde as pessoas cozinham e convivem. 

Vista parcial de um bairro de Xai-Xai
Praia de Xai-Xai

Chegados a Xai-Xai ficámos instalados na casa do Padre Alberto e do Padre Eduardo, muito perto da praia. No primeiro dia, depois de almoço, tivémos tempo de passear no areal e eu atrevi-me a um mergulho rápido. Não sei como se sente uma pessoa do interior ou da montanha perante a presença esmagadora do mar. Eu, portuguesa da costa Atlântica, sinto-me mil anos rejuvenescida quando sinto o vento salgado a bater na cara e posso ficar horas a ouvir aquele múrmurio das ondas quando chegam à areia Sshhhh....shhhhh.. massajar os pés, passear no areal à beira do mar e ficar com a roupa molhada até aos joelhos. É o meu conceito de saúde. E melhor se não for Verão para a praia ser exclusivamente para os amantes destas sensações extra balneárias!

A praia de Xai-Xai foi adoptada pelos colonos, a meados do séc.XX, como zona de veraneo. Em frente ao areal está um colossal hotel abandonado, assim como umas quantas casinhas baixinhas, típicas de praia, que aos poucos estam a ser reabilitadas, sobretudo por sul-africanos.
A praia tem um areal de uns bons kilómetros e, a zona que foi outrora e aos poucos volta a ser outra vez a zona turística, tem uma parte dentro da água delimitada por umas rochas. Aí, as pessoas podem estar à vontade, sendo apenas desaconselhado mergulhar quando as ondas do Oceano ultrapassam em altura a barreira feita pelas rochas. Como não era o caso, eu mergulhei e a sensação é a de estar dentro de uma piscina oceanica. Como nessa zona não há ondas a areia está dura e direita, tal e qual como uma piscina, e a água é transparente e quentinha, mesmo agora no Inverno ( não se esqueçam que no Hemisfério Sul agora é Inverno).

Hotel abandonado


ao fundo vê-se a delimitação feita com as rochas
Santo António de Chongoanine

Às portas da pequena cidade de Xai-Xai, Santo António de Chongoanine é, contudo, uma zona rural, muito pouco assimilida durante a época colonial. Por isso, a maioria da população fala Changana e as pessoas idosas têm dificuldade em expressar-se em português.
O Sr. António foi o anfitrião. Fala fluentemente a língua de Camões mas a mulher dele e as suas vizinhas, que tinham estado a rezar pela alma da vizinha Rosinha, que está muito mal, encamada e já encomendada ao S.Pedro, não falam práticamente português. Ficaram muito contentes por saberem que o meu nome é Sónia, chará* de duas filhas e porque eu uso capulana. Ensinaram-me a pôr o lenço na cabeça e tudo!
Já passavam das 13h quando os encontrámos a todos no terreno destinado à nova igreja e complexo paroquial mas mesmo assim, depois de sairem dali, ainda tinham de caminhar para casa durante mais de uma hora e preparar a comida. E nenhum tinha menos de 60 anos. Ao todo uns quinze vizinhos tinham ido rezar pela Rosinha e mostrar-nos o terreno.Perguntei-lhs se eram elas que tinham de fazer a comida e disseram que sim. Disse-lhes que achava que as mulheres em Moçambique trabalhavam demasiado, em contrapartida os homens têm uma plácida vida. Que não, que não é assim, que os homens também trabalham muito na machamba* etc...E quem sou eu para desmentir?

Santos Anjos e o Guilherme

No Domingo, o nosso amigo Padre Alberto presidiu uns vinte baptizados, na igreja de Santos Anjos. Uma igreja redonda com tecto de zinco. Contou-nos o Padre Alberto que naquela região existem umas quantas igrejas iguais porque há uns anos um religioso italiano ao receber a herança deixada pelos seus pais decidiu mandar construir essas igrejas.De acordo com a visão desse tal religioso, a igreja deve ser um sítio onde as pessoas se sentem em casa. Como ali muitas casas são redondas ele decidiu fazer as igrejas redondas para que os paroquianos não estranhassem o espaço. 

Igreja Santos Anjos
 Ao lado do Padre estavam três acólitas,  à esquerda estava o coro dirigido pela Mistéria, à direita aqueles que se iam baptizar, junto, em frente ao altar sentados em cima de umas esteiras de palha estavam cerca de cinquenta crianças, atrás destas umas vinte avózinhas também sentadas no chão e depois uma multidão sentada em bancos de madeira corridos ou de pé.
Coro da Mistéria
Crianças  na esteira e atrás as avózinhas
O Padre Alberto esforçou-se por falar em Changana mas, invariávelmente, acabava por ter de dizer qualquer coisa no mais puro portuñol. Para que ninguém perdesse pitada do que se estava a dizer, o Guilherme, um elegante senhor de 61 anos traduzia tudo para Changana.
Ao longo de três horas foram passando pelo altar todos aqueles que desejavam ser baptizados, acompanhados de um coro humano bem animado, com jambé, vozes em diferentes tonos etc... A pia baptismal era um alguidar preto que na minha terra serve para fazer chouriços ou lavar a roupa. A àgua benzida era entornada na cabeça dos baptizados com uma jarra de plástico e, quando já não havia mais água dentro da jarra, as acólitas enchiam-na num balde branco daqueles onde se vende a banha de porco em volume industrial. Depois, as hóstia foram distribuídas directamente dum tupperware para a mão, boca ou coração do “rebanho”.
 
A Pia Baptismal
Oferta de víveres
Tupperware com as hóstias


Guilherme e as crianças do baptismo ao fundo
No final, o Guilherme convidou-nos a subir à tribuna para que nos apresentassemos à comunidade. Depois, fomos com ele e com a família dele para casa festejar o baptismo da filha e de duas netas. Falámos, comemos, rimos e aprendemos. Eu fiquei deslumbrada com a elegância deste homem. A maneira como se expressa, a humildade com que diz as coisas. O mais interessante nos africanos é que falam sempre com muita calma, mesmo que estejam a contar aventuras ou detalhes que implicam emoção. Para eles não há tempo e desfilam histórias durantes horas. O Guilherme considera-se assimilado, ou seja, africano mas despudoradamente adoptado pela cultura portuguesa. Foi mineiro na África do Sul e teve oportunidade de conhecer pessoas de muitas partes e aprender muitas línguas africanas, assim como português e inglês na perfeição. Se um dia voltar a Xai-Xai quero voltar a vê-lo e sentar-me a ouvir a quantidade de histórias que tem para contar, debaixo da frondosa mangueira que tem no quintal.

mesa e padrinhos com afilhada (repaem nas chamusas)
 E há mais vida Católica para lá dos aborrecidos padres Europeus

Sobre a missa gostaria de fazer umas quantas observações. Quem me conhece sabe que não sinto simpatia por nenhuma religião em particular. Se Deus existe eu ainda não sei mas estou mais tentada a acreditar que o Homem nasce, reproduze-se e morre por acção e graça da natureza e não do Espírito Santo, seja lá isso o que for. Na Europa, as pessoas afastam-se e, inclusivé, repudiam a Igreja Católica (falo da Igreja Católica porque é aquela que me está mais próxima) por questões óbvias: a ostentação, o hermetismo descabido, os preconceitos e o constante julgamento em praça pública de minorias sem jamais se auto-analisarem/criticarem. Apregoam o perdão e a tolerância quando aparentemente são os primeiros a prevaricarem. Entre outros assuntos, hoje em dia a Igreja Católica soa a pedófilia e a mofo, um mofo milenar.
Aqui em Moçambique as coisas têm outro aspecto. Os religiosos no terreno fazem um trabalho excepcional e, em caso de catástrofe, são os últimos a abandonar o barco. São cooperantes em grande e têm um discurso muito mais aberto qe a maioria dos seus consorces na Europa. Há uns tempos, falando com uma freira sobre a realidade de muitos meninos que são abandonados pelas mães, que sucessivamente têm filhos que não querem, ela disse-me que não entende porque é que não evitam esses filhos deixando antever que falava do preservativo e do aborto. Possivelmente no velho continente jamais poderia dizer uma “barbaridade” desta grandeza. E, enquanto via o padre presidir a cerimónia entre alguidares, jarras, tupperwares e jambés,  pensava para com os meus botões que isso seria impensável para um padre a exercer na Europa.
Normalmente os nossos padres reparam  e reclamam se a madrinha leva um grande decote, passam sermões se a noiva chega atrasada e falam do fogo do inferno como quem fala do tempo que vai fazer amanhã. Aqui a igreja católica está muito mais conectada com a comunidade local. Por isso as pessoas vão felizes à igreja, porque sabem que vão encontrar os seus vizinhos, que vão cantar juntos e que o Padre não vai desfolhar banalidades e ameaças extra-terrenas com infernos, Satanás e pecados de não sei que espécie.

Hambanini Xai-Xai (adeus Xai-Xai)

Segunda-feira demos um breve passeio de carro pela Baixa da cidade, que me pareceu lindíssima, fomos ver o atrevido Rio Limpompo e montámos no Chapa com destino a Maputo. Se querem saber como foi essa viagem não percam as cenas dos próximos episódios.

TO BE CONTINUE...

*Chará=homónimo, pessoa com o mesmo nome

2 comentários:

antonio vivalde reis disse...

sou pai da tatiana reis ...viajamos a mocambique e sua descricao e muito interessante ....mas nao consegui reparar nas machumas(era este o nome????) que vc destaca na foto .qunto a religiao , nao sommos religiosos, mas crio que a forma que esta sendo feita a visita do paapa ao brasil , resgata muito das suas observacoes . e um visitante destacando o SIMPLES . muito bonita

Ofélia Queirós disse...

Querido António, muito obrigada por comentar. Chamam-se machambas e sao as hortas dos moçambicanos. Infelizmente, nao tenho muito acesso à internet, portanto nao posso acompanhar a visita do Papa,mas li as letras gordas dos jornais que destacam a maneira incrivel como esse homem esta a conseguir comunicar-se com os brasileiros e com todo o mundo. Parece-me uma pessoa incrível. Eu também nao sou religiosa mas já sou fa dele. Um abraço grande para o Sr. Gosto muito da sua menina. É gente boa :)