No fim-de-semana passado estivemos em Xai-Xai, capital da provínia de Gaza, a norte de Maputo.
O simpático Padre Alberto, espanhol da Rioja e
membro da Ordem dos Mercedários, está a formar uma paróquia em Xai-Xai e pediu
uma mãozinha ao David na qualidade de arquitecto. Eu, como apêndice,
acompanhei-o.
Foram poucas as oportunidades que tive para sair de
Maputo-cidade e, sempre que o fiz, o que mais me impressiona é o facto de assim
que se ultrapassam os limites da capital a paisagem muda e transforma-se na
África do meu imaginário: pessoa, animais e carga circulam pela beira da
estrada ou através de corta-matos numa alegre comunhão de mil cores e o cenário
natural é espectacular.
A cidade de Maputo está cheia de lixo. Tanto lixo
como nunca vi na minha vida. Dentro das casas, nas ruas, nas lixeiras vivem
pessoas etc...O ar por vezes torna-se irrespirável. Junta-se ao lixo a poluição
produzidas pelos milhares de carros velhos de circulam por toda a parte.
Assim, sair de Maputo em direcção a Xai-Xai é um regalo
para os olhos. Mesmo as casas mais humildes estão bem construídas. Não se
limitam à palhota desengonçada com tecto de zinco cheio de buracos. Diria mesmo
que as casas mais humildes, i.e, as de palha, quando estão devidamente
construídas, são bem mais bonitas que as de cimento. E, normalmente, nas zonas
rurais têm anexado à volta um pátio limpo e varrido, com árvores frondosas onde
as pessoas cozinham e convivem.
Vista parcial de um bairro de Xai-Xai |
Praia de
Xai-Xai
Chegados a Xai-Xai ficámos instalados na casa do
Padre Alberto e do Padre Eduardo, muito perto da praia. No primeiro dia, depois
de almoço, tivémos tempo de passear no areal e eu atrevi-me a um mergulho
rápido. Não sei como se sente uma pessoa do interior ou da montanha perante a
presença esmagadora do mar. Eu, portuguesa da costa Atlântica, sinto-me mil
anos rejuvenescida quando sinto o vento salgado a bater na cara e posso ficar
horas a ouvir aquele múrmurio das ondas quando chegam à areia
Sshhhh....shhhhh.. massajar os pés, passear no areal à beira do mar e ficar com
a roupa molhada até aos joelhos. É o meu conceito de saúde. E melhor se não for
Verão para a praia ser exclusivamente para os amantes destas sensações extra
balneárias!
A praia de Xai-Xai foi adoptada pelos colonos, a
meados do séc.XX, como zona de veraneo. Em frente ao areal está um colossal
hotel abandonado, assim como umas quantas casinhas baixinhas, típicas de praia,
que aos poucos estam a ser reabilitadas, sobretudo por sul-africanos.
A praia tem um areal de uns bons kilómetros e, a
zona que foi outrora e aos poucos volta a ser outra vez a zona turística, tem
uma parte dentro da água delimitada por umas rochas. Aí, as pessoas podem estar
à vontade, sendo apenas desaconselhado mergulhar quando as ondas do Oceano
ultrapassam em altura a barreira feita pelas rochas. Como não era o caso, eu
mergulhei e a sensação é a de estar dentro de uma piscina oceanica. Como nessa
zona não há ondas a areia está dura e direita, tal e qual como uma piscina, e a
água é transparente e quentinha, mesmo agora no Inverno ( não se esqueçam que
no Hemisfério Sul agora é Inverno).
Hotel abandonado |
ao fundo vê-se a delimitação feita com as rochas |
Às portas da pequena cidade de Xai-Xai, Santo
António de Chongoanine é, contudo, uma zona rural, muito pouco assimilida
durante a época colonial. Por isso, a maioria da população fala Changana e as
pessoas idosas têm dificuldade em expressar-se em português.
O Sr. António foi o anfitrião. Fala fluentemente a
língua de Camões mas a mulher dele e as suas vizinhas, que tinham estado a
rezar pela alma da vizinha Rosinha, que está muito mal, encamada e já encomendada
ao S.Pedro, não falam práticamente português. Ficaram muito contentes por
saberem que o meu nome é Sónia, chará* de duas filhas e porque eu uso capulana.
Ensinaram-me a pôr o lenço na cabeça e tudo!
Já passavam das 13h quando os encontrámos a todos
no terreno destinado à nova igreja e complexo paroquial mas mesmo assim, depois
de sairem dali, ainda tinham de caminhar para casa durante mais de uma hora e
preparar a comida. E nenhum tinha menos de 60 anos. Ao todo uns quinze vizinhos
tinham ido rezar pela Rosinha e mostrar-nos o terreno.Perguntei-lhs se eram
elas que tinham de fazer a comida e disseram que sim. Disse-lhes que achava que
as mulheres em Moçambique trabalhavam demasiado, em contrapartida os homens têm
uma plácida vida. Que não, que não é assim, que os homens também trabalham
muito na machamba* etc...E quem sou eu para desmentir?
Santos
Anjos e o Guilherme
No Domingo, o nosso amigo Padre Alberto presidiu
uns vinte baptizados, na igreja de Santos Anjos. Uma igreja redonda com tecto
de zinco. Contou-nos o Padre Alberto que naquela região existem umas quantas
igrejas iguais porque há uns anos um religioso italiano ao receber a herança
deixada pelos seus pais decidiu mandar construir essas igrejas.De acordo com a
visão desse tal religioso, a igreja deve ser um sítio onde as pessoas se sentem
em casa. Como
ali muitas casas são redondas ele decidiu fazer as igrejas redondas para que os
paroquianos não estranhassem o espaço.
Igreja Santos Anjos |
Ao lado do Padre estavam três acólitas, à esquerda estava o coro dirigido pela
Mistéria, à direita aqueles que se iam baptizar, junto, em frente ao altar
sentados em cima de umas esteiras de palha estavam cerca de cinquenta crianças,
atrás destas umas vinte avózinhas também sentadas no chão e depois uma multidão
sentada em bancos de madeira corridos ou de pé.
Coro da Mistéria |
Crianças na esteira e atrás as avózinhas |
O Padre Alberto esforçou-se por falar em Changana
mas, invariávelmente, acabava por ter de dizer qualquer coisa no mais puro
portuñol. Para que ninguém perdesse pitada do que se estava a dizer, o
Guilherme, um elegante senhor de 61 anos traduzia tudo para Changana.
Ao longo de três horas foram passando pelo altar
todos aqueles que desejavam ser baptizados, acompanhados de um coro humano bem
animado, com jambé, vozes em diferentes tonos etc... A pia baptismal era um
alguidar preto que na minha terra serve para fazer chouriços ou lavar a roupa.
A àgua benzida era entornada na cabeça dos baptizados com uma jarra de plástico
e, quando já não havia mais água dentro da jarra, as acólitas enchiam-na num
balde branco daqueles onde se vende a banha de porco em volume industrial.
Depois, as hóstia foram distribuídas directamente dum tupperware para a mão,
boca ou coração do “rebanho”.
Oferta de víveres |
Tupperware com as hóstias |
Guilherme e as crianças do baptismo ao fundo |
No final, o Guilherme convidou-nos a subir à tribuna
para que nos apresentassemos à comunidade. Depois, fomos com ele e com a
família dele para casa festejar o baptismo da filha e de duas netas. Falámos,
comemos, rimos e aprendemos. Eu fiquei deslumbrada com a elegância deste homem.
A maneira como se expressa, a humildade com que diz as coisas. O mais
interessante nos africanos é que falam sempre com muita calma, mesmo que
estejam a contar aventuras ou detalhes que implicam emoção. Para eles não há
tempo e desfilam histórias durantes horas. O Guilherme considera-se assimilado,
ou seja, africano mas despudoradamente adoptado pela cultura portuguesa. Foi
mineiro na África do Sul e teve oportunidade de conhecer pessoas de muitas
partes e aprender muitas línguas africanas, assim como português e inglês na
perfeição. Se um dia voltar a Xai-Xai quero voltar a vê-lo e sentar-me a ouvir
a quantidade de histórias que tem para contar, debaixo da frondosa mangueira
que tem no quintal.
mesa e padrinhos com afilhada (repaem nas chamusas) |
E há mais
vida Católica para lá dos aborrecidos padres Europeus
Sobre a missa gostaria de fazer umas quantas
observações. Quem me conhece sabe que não sinto simpatia por nenhuma religião em particular. Se
Deus existe eu ainda não sei mas estou mais tentada a
acreditar que o Homem nasce, reproduze-se e morre por acção e graça da natureza
e não do Espírito Santo, seja lá isso o que for. Na Europa, as pessoas
afastam-se e, inclusivé, repudiam a Igreja Católica (falo da Igreja Católica
porque é aquela que me está mais próxima) por questões óbvias: a ostentação, o
hermetismo descabido, os preconceitos e o constante julgamento em praça pública
de minorias sem jamais se auto-analisarem/criticarem. Apregoam o perdão e a
tolerância quando aparentemente são os primeiros a prevaricarem. Entre outros
assuntos, hoje em dia a Igreja Católica soa a pedófilia e a mofo, um mofo
milenar.
Aqui em Moçambique as coisas têm outro aspecto. Os
religiosos no terreno fazem um trabalho excepcional e, em caso de catástrofe,
são os últimos a abandonar o barco. São cooperantes em grande e têm um discurso
muito mais aberto qe a maioria dos seus consorces na Europa. Há uns tempos,
falando com uma freira sobre a realidade de muitos meninos que são abandonados
pelas mães, que sucessivamente têm filhos que não querem, ela disse-me que não
entende porque é que não evitam esses filhos deixando antever que falava do
preservativo e do aborto. Possivelmente no velho continente jamais poderia
dizer uma “barbaridade” desta grandeza. E, enquanto via o padre presidir a
cerimónia entre alguidares, jarras, tupperwares e jambés, pensava para com os meus botões que isso
seria impensável para um padre a exercer na Europa.
Normalmente os nossos padres reparam e reclamam se a madrinha leva um grande
decote, passam sermões se a noiva chega atrasada e falam do fogo do inferno
como quem fala do tempo que vai fazer amanhã. Aqui a igreja católica está muito
mais conectada com a comunidade local. Por isso as pessoas vão felizes à
igreja, porque sabem que vão encontrar os seus vizinhos, que vão cantar juntos
e que o Padre não vai desfolhar banalidades e ameaças extra-terrenas com
infernos, Satanás e pecados de não sei que espécie.
Hambanini
Xai-Xai (adeus Xai-Xai)
Segunda-feira demos um breve passeio de carro pela
Baixa da cidade, que me pareceu lindíssima, fomos ver o atrevido Rio Limpompo e
montámos no Chapa com destino a Maputo. Se querem saber como foi essa viagem
não percam as cenas dos próximos episódios.
TO BE
CONTINUE...
*Chará=homónimo, pessoa com o mesmo nome
*Chará=homónimo, pessoa com o mesmo nome
2 comentários:
sou pai da tatiana reis ...viajamos a mocambique e sua descricao e muito interessante ....mas nao consegui reparar nas machumas(era este o nome????) que vc destaca na foto .qunto a religiao , nao sommos religiosos, mas crio que a forma que esta sendo feita a visita do paapa ao brasil , resgata muito das suas observacoes . e um visitante destacando o SIMPLES . muito bonita
Querido António, muito obrigada por comentar. Chamam-se machambas e sao as hortas dos moçambicanos. Infelizmente, nao tenho muito acesso à internet, portanto nao posso acompanhar a visita do Papa,mas li as letras gordas dos jornais que destacam a maneira incrivel como esse homem esta a conseguir comunicar-se com os brasileiros e com todo o mundo. Parece-me uma pessoa incrível. Eu também nao sou religiosa mas já sou fa dele. Um abraço grande para o Sr. Gosto muito da sua menina. É gente boa :)
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