Perdi a conta ao numero de filmes e de livros que
vi e que li no último ano. Diria mesmo que, em relação à desocupação de longa
data que assola a minha vida desde finais de Setembro de 2012, este é o único
aspecto positivo. Sinto-me feliz por ter tempo para ver filmes comerciais e de
autor e para ler livros que tinha na prateleira há algum tempo ou que
entretanto fui descobrindo. Porque é que quando tinha a minha vida laboral
organizada estava sempre a adiar a leitura em deterimento da internet ou da
televisão? Haverá melhor companhia que um bom livro? Haverá felicidade mais pungente
que sentir aquele formigueiro no estômago quando já estou “dentro” do livro,
totalmente abstraída da realidade que me rodeia? Ahhhhhhhhhh..... (longo
suspiro)
Nas últimas semanas mantive um bom ritmo de leitura,
sem fazer qualquer esforço. Fui lendo um e, quando ainda sentia saudades do
personagem principal do livro anterior, já estava a ler outro. Entre eles li um
clássico de George Orwell e dois do “new
boy on the block”, Haruki Murakami.
A meados de Maio, comecei a ler o livro que a minha
querida amiga Maria José me havia comprado nesse lugar especial do bairro de
Lavapiés, em Madrid, a livraria “La Marabunta”: “Los
secretos de Portugal: Del Iberismo a la Peninsularidad”,
do jesuíta português Gabriel Magalhães, publicado em 2012 pela editora RBA.
Tinha lido sobre este ensaio sociológico que era o
ponto de situação de Portugal no mundo, no contexto da crise económica que se
vive na Europa e que trata por “TU” o pequeno país à beira mal plantado. Na
contracapa o editor promete uma obra que apresenta e explica Portugal sem uma
visão preconceituosa. Logo aqui eu devia ter tido a sensibilidade de perceber
que “alguma coisa” não estava a ser dita. Preconceitos? Por parte de quem?
Como cidadã portuguesa muito orgulhosa das suas
raízes e do seu pequeno país cheio de nostalgia, avózinhas vestidas de negro e
mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau, os primeiros capítulos foram um
deleite. O autor explica em traços gerais a História da formação de Portugal e
os restantes nove séculos de História, até aos nossos dias. Sem dúvida, escreve
de uma maneira verdadeiramente apaixonada. Gabriel de Magalhães está
perdidamento apaixonado pelo país que o pariu. E como não? Se a mim me dessem
oportunidade de escrever um livro sobre o meu Portugal, também o faria nas mesmas
amantíssimas linhas com que ele o fez.
Mas... porque é que há sempre um “mas”?
Começou-me a cheirar a esturro
quando notei que o meu patrício não fazia outra coisa que enaltecer uma vez,
duas vezes, mil vezes, capítulo trás capítulo os feitos heróicos de um outro
patrício nosso, o Nuno Álvares Cabral. E já me pareceu que o propósito da obra
era, nunca melhor dito, despropositado, quando percebi que estava escrito com o
único objectivo de justificar aos espanhóis porque é que NÓS portugueses
somos tão maravilhosos, tão geniais, tão importantes na História do Mundo. Sim,
perceberam bem, Gabriel de Magalhães escreveu um livro onde não faz outra coisa
que atirar à cara dos espanhóis que eles não nos ligam nenhuma e que são muito
mais brutos e mal educados que o português mais bruto e mal educado que
existe. Senti vergonha alheia por ver
que por mais que o tempo passe, somos incapazes de deixar de nos comparármos
com o nosso irmão mais velho,a Espanha, e parar de reclamar a sua atenção.
Que alguém decida escrever um livro a explicar ao
MUNDO porque é que Portugal é um pais mais que válido, um país lindo, parece-me
legítimo. Confesso que enquanto lia algumas passagens, o meu coração batia mais
forte de amor e saudade. Agora, é totalmente descabido escrever um livro com o
único propósito de provar aos espanhóis que somos uma maravilha de gente, de
país, de cultura e que, os nuestros
hermanos não nos chegam nem aos calcanhares no que concerne à delicadeza,
bons-modos e, porque não, cultura.
Vivi 3 anos em Espanha e sei que é inevitável fazer
comparações, sobretudo tratando-se de portugueses. Não temos outro vizinho e
foram sempre o nosso grande rival. Acredito mesmo que por culpa dos espanhóis,
somos um povo que sempre olhou para o Atlântico como a porta de saída, como a
chave para os nosso problemas. Olhar para terra, significava olhar para Espanha
e tinhamos demasiado ressentimentos e receios. Melhor era virar-lhes as costas
e impôr-lhes respeito através do nosso “aparente” desprezo. A entrada na União
Europeia foi um acidente de percurso. A nossa História, ao contrário da
História dos espanhóis, tem muito poucas páginas em comum com a História da
Europa. Somos uma gente além mar. Talvez a mobilidade das novas gerações no que
diz respeito às oportunidades de intercâmbios estudantis e mercado de trabalho
europeu acabem com essa tradição transatlântica mas, por agora, a nossa cultura
ainda cheira a mar salgado.
Seguramente vou voltar a ler a obra porque, como já
referi, tem passagens apaixonantes. Além disso, Magalhães explica muito bem a
portugalidade. Gostava de ter escrito algumas coisas que ele escreveu sobre
Portugal e os portugueses mas acho o objectivo da obra pobre. Penso que um espanhol que leia o livro vai
pensar “pffff...este Magalhães deve-se achar...”.
Por isso, recomendo a obra a todos os portugueses,
mas não a recomendo a nenhum espanhol. Se estiverem interessados em conhecer Portugal
visitem-no, perguntem a quem o visitou ou consultem a Wikipédia (e também a Frikipédia).
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