quarta-feira, 24 de julho de 2013

polícia moçambicana, uma questão de autoridade


Na volta de Xai-Xai para Maputo montámos num chapa. 200 Meticais e 23 pessoas num veículo desenhado para transportar no máximo 12.

Chapa "Big Miúdo", Rota Xai-Xai- Maputo
De 20 em 20 kilómetros havia um controle policial, situação típica nas estradas moçambicanas. Os controles policiais decorrem do seguinte modo: os polícias mandam parar, pedem os documentos e se está tudo bem com os documentos pedem ao condutor para acender as luzes, para mostrar isto, aquilo ou o outro. Procuram deliberadamente uma desculpa para passar uma multa. Aqueles que não têm tempo a perder vão directos ao assunto e aqueles que têm mais paciência ficam tranquilos à espera da estocada final do Sr. Polícia.
Normalmente há sempre um motivo e, então, o polícia informa que vai ter de passar multa. Nesta fase já muitos condutores entregaram ao dito cujo uma nota de 100 Meticais (100 Meticais é o preço para os moçambicanos, 200 meticais é o preço para os brancos) para se livrarem dele. Quando o condutor diz “passe a multa Sr. Agente, passe lá” o polícia começa a ficar preocupado e, num tom amistoso, aka cínico, pergunta ao condutor se está realmente interessado em que ele passe a multa e informa que podem resolver a coisa de outra maneira. Pergunta se o condutor não lhe quer dar dinheiro para um refresco ou para as boas festas, segundo a época do ano em que se encontre. A maioria dos condutores acaba por ceder e paga ao polícia porque se quer ver livre dele. Como passageira de um carro que foi mandado parar, eu já assisti a uma destas cenas e posso-vos garantir que a sensação de impotência e injustiça é tremenda. Até porque muitas vezes quem manda parar os condutores são os “cinzentinhos”, polícias municipais que, segundo a lei, não têm o direito/dever de passar multas. Caso detectem alguma situação irregular a obrigação deles é chamar a polícia de trânsito. A maioria não faz isso e invariavelmente pedem dinheiro para um refresco.
E estas situações não são pontuais. Fazem parte do quotidiano da vida em Moçambique e todo aquele que conduz já teve seguramente de pagar refrescos a algum polícia. Todos conhecem a situação da policia em Moçambique e todos são conscientes que não podem fazer nada. Os próprios policias são instruídos para agir dessa forma e, portanto, não têm vergonha de roubar o seu semelhante. Para um moçambicano 100 Meticais é dinheiro.

Para agravar a situação, os polícias moçambicano circulam com espingardas, logo têm um ar bastante ameaçador. Também me contaram que muitos não são alfabetizados. Durante a guerra lutaram e, posteriormente, a FRELIMO teve de os reinserir na sociedade. No pós-guerra, como o país precisava de forças de segurança, uma boa parte dos militares foram recrutados e incorporados nas diferentes policias: municipal, civil, trânsito.
Resumindo, a polícia moçambicana é um dos maiores cancros da sociedade. Não estão para proteger o cidadão, senão para lhe complicar a vida. E, segundo aquilo que observo e ouço, têm uma postura bastante arrogante. Quero acreditar que fora do local de trabalho são pessoas mais agradáveis, mas no exercício das suas funções dão uma péssima imagem do país e contribuem para que Moçambique seja um lugar mais inseguro, corrupto e triste.

Voltando ao ponto de partida, a viagem de volta de Xai-Xai, o chapa onde viajávamos foi mandado parar em cada controle policial que fomos encontrando ao longo dos cerca de 300 Km.  Numa dessa paragens, um chapa que viajava à nossa frente, foi igualmente mandado parar. Como já vos contei aqui, os chapas têm nomes muito engraçados e originais. Por exemplo, aquele em que viajávamos chamava-se “Big Miúdo” e o chapa que parou à nossa frente chamava-se “ Sinto pena de quem tem inveja de mim”. Ora, vi ali uma excelente oportunidade de fotografar um Insólito. Corri a janela e fiz a foto e então começou a tempestade. Uma das polícias de trânsito começou a gritar e a dizer para eu sair do chapa, que eu não tinha nada de fazer fotos à policia e que na minha terra de certeza que também não podia fazer fotos à autoridade. Tudo num tom muito ameaçador. Chamou os colegas da Polícia Civil e começaram a dizer num tom ainda mais ameaçador para eu sair do chapa. Eu tentei explicar que tinha feito uma foto ao chapa, não à polícia mas mesmo assim obrigaram-me a sair do chapa. Pediram para eu mostrar a foto que tinha feito e até comprovarem que eu não tinha feito foto nenhuma à polícia trataram--me como se eu fosse uma criminosa. Disseram que fazer fotos à autoridade sem pedir autorização é motivo para ir preso. Tentei justificar por todos os meios qual tinha sido a minha intenção e pedi imensas desculpas. Por fim, os Civis deixaram-me ir como se me estivessem a fazer um enorme favor e sem pedirem nada em troca.

A situação não durou mais de cinco minutos mas foi o tempo suficiente para eu ficar em choque o resto da viagem, corroída por uma grande sensação de injustiça e violação dos meus direitos como cidadã. Igualmente senti-me destratada. Posso até entender que seja proibido fazer fotos às autoridades e compreendo que até confirmarem que eu tinha feito uma foto ao chapa e não à polícia estava sob suspeita de incumprir a lei, mas não posso entender, nem justificar a falta de educação, a forma ameaçadora como me gritaram e o excesso te autoridade com que me trataram, a indisponibilidade para dialogarem comigo e para ouvirem a minha justificação. E numa situação assim percebi que o melhor é não tentar chamá-los à razão porque ao mínimo roce não sei o que pode acontecer.

Quando a polícia me gritou num tom ameaçador “Você na sua terra também faz isso? Também tira fotos à polícia?” eu gostaria de ter podido responder “Sim, minha senhora, na minha terra posso fazer fotos à polícia e eles não se importam porque não têm nada a esconder. Na minha terra os polícias não violam, nem estrangulam a liberdade dos cidadãos. Na minha terra os polícias não pedem dinheiro para refrescos aos patrícios que circulam nas estradas. E, no caso de fazerem alguma dessas coisas, são chamados corruptos e são devidamente punidos porque na minha terra ainda impera a Liberdade e a Democracia. E a senhora deveria ter vergonha na cara porque os seus patrícios lutaram e perderam a vida ao tentarem ver-se livres dos da minha terra, perseguindo a utopia dessa tal Liberdade e Democracia. Pessoas como você tornam Moçambique um país mais feio e contribuem para que pouco a pouco se transforme numa “simpática” Ditadura. A senhora é um cancro e apodrece Moçambique por dentro.”

Mas não pude, nem quis dizer nada disso. E na minha mente saltaram as palavras do poeta José Craveirinho:

Poema do Futuro Cidadão


Vim de qualquer parte
de uma Nação que ainda não existe.
Vim e estou aqui!
Não nasci apenas eu
nem tu nem outro...
mas irmão.
Mas
tenho amor para dar às mãos-cheias.
Amor do que sou
e nada mais.
E
tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho dum país que ainda não existe.
Ah! Tenho meu amor à rodos para dar
do que sou.
Eu!
Homem qualquer
cidadão de uma nação que ainda não existe.
José Craveirinha- Moçambique


E eis a foto da discórdia:



Não sei se deva ou não publicar este texto. O que escrevo aqui é fruto do que observei, ouvi e vivi desde que cheguei a Moçambique mas aqui a liberdade de expressão não está de todo isenta de censura. Se algum dia tiver problemas por escrever o que penso e sinto espero que pelo menos os meus leitores me enviem um chocolatinho à cadeia. Os meus preferidos são os de leite com avelãs, de marcas suiças. Obrigada!

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