Na volta de Xai-Xai para Maputo montámos num chapa.
200 Meticais e 23 pessoas num veículo desenhado para transportar no máximo 12.
Chapa "Big Miúdo", Rota Xai-Xai- Maputo |
De 20 em 20 kilómetros havia um controle policial,
situação típica nas estradas moçambicanas. Os controles policiais decorrem do
seguinte modo: os polícias mandam parar, pedem os documentos e se está tudo bem
com os documentos pedem ao condutor para acender as luzes, para mostrar isto,
aquilo ou o outro. Procuram deliberadamente uma desculpa para passar uma multa.
Aqueles que não têm tempo a perder vão directos ao assunto e aqueles que têm
mais paciência ficam tranquilos à espera da estocada final do Sr. Polícia.
Normalmente há sempre um motivo e, então, o polícia
informa que vai ter de passar multa. Nesta fase já muitos condutores entregaram
ao dito cujo uma nota de 100 Meticais (100 Meticais é o preço para os
moçambicanos, 200 meticais é o preço para os brancos) para se livrarem dele.
Quando o condutor diz “passe a multa Sr. Agente, passe lá” o polícia começa a
ficar preocupado e, num tom amistoso, aka
cínico, pergunta ao condutor se está realmente interessado em que ele passe a
multa e informa que podem resolver a coisa de outra maneira. Pergunta se o
condutor não lhe quer dar dinheiro para um refresco
ou para as boas festas, segundo a
época do ano em que se encontre. A maioria dos condutores acaba por ceder e
paga ao polícia porque se quer ver livre dele. Como passageira de um carro que
foi mandado parar, eu já assisti a uma destas cenas e posso-vos garantir que a
sensação de impotência e injustiça é tremenda. Até porque muitas vezes quem
manda parar os condutores são os “cinzentinhos”, polícias municipais que,
segundo a lei, não têm o direito/dever de passar multas. Caso detectem alguma
situação irregular a obrigação deles é chamar a polícia de trânsito. A maioria
não faz isso e invariavelmente pedem dinheiro para um refresco.
E estas situações não são pontuais. Fazem parte do
quotidiano da vida em Moçambique e todo aquele que conduz já teve seguramente de
pagar refrescos a algum polícia.
Todos conhecem a situação da policia em Moçambique e todos são conscientes que
não podem fazer nada. Os próprios policias são instruídos para agir dessa forma
e, portanto, não têm vergonha de roubar o seu semelhante. Para um moçambicano
100 Meticais é dinheiro.
Para agravar a situação, os polícias moçambicano
circulam com espingardas, logo têm um ar bastante ameaçador. Também me contaram
que muitos não são alfabetizados. Durante a guerra lutaram e, posteriormente, a
FRELIMO teve de os reinserir na sociedade. No
pós-guerra, como o país precisava de forças de segurança, uma boa parte dos
militares foram recrutados e incorporados nas diferentes policias: municipal,
civil, trânsito.
Resumindo, a polícia moçambicana é um dos maiores
cancros da sociedade. Não estão para proteger o cidadão, senão para lhe
complicar a vida. E, segundo aquilo que observo e ouço, têm uma postura
bastante arrogante. Quero acreditar que fora do local de trabalho são pessoas
mais agradáveis, mas no exercício das suas funções dão uma péssima imagem do
país e contribuem para que Moçambique seja um lugar mais inseguro, corrupto e
triste.
Voltando ao ponto de partida, a viagem de volta de
Xai-Xai, o chapa onde viajávamos foi mandado parar em cada controle policial
que fomos encontrando ao longo dos cerca de 300 Km. Numa dessa paragens, um chapa que viajava à
nossa frente, foi igualmente mandado parar. Como já vos contei aqui, os chapas têm nomes muito engraçados e
originais. Por exemplo, aquele em que viajávamos chamava-se “Big Miúdo” e o
chapa que parou à nossa frente chamava-se “ Sinto pena de quem tem inveja de
mim”. Ora, vi ali uma excelente oportunidade de fotografar um Insólito. Corri a
janela e fiz a foto e então começou a tempestade. Uma das polícias de trânsito
começou a gritar e a dizer para eu sair do chapa, que eu não tinha nada de
fazer fotos à policia e que na minha terra de certeza que também não podia
fazer fotos à autoridade. Tudo num tom muito ameaçador. Chamou os colegas da
Polícia Civil e começaram a dizer num tom ainda mais ameaçador para eu sair do
chapa. Eu tentei explicar que tinha feito uma foto ao chapa, não à polícia mas
mesmo assim obrigaram-me a sair do chapa. Pediram para eu mostrar a foto que
tinha feito e até comprovarem que eu não tinha feito foto nenhuma à polícia
trataram--me como se eu fosse uma criminosa. Disseram que fazer fotos à
autoridade sem pedir autorização é motivo para ir preso. Tentei justificar por
todos os meios qual tinha sido a minha intenção e pedi imensas desculpas. Por
fim, os Civis deixaram-me ir como se me estivessem a fazer um enorme favor e
sem pedirem nada em troca.
A situação não durou mais de cinco minutos mas foi o
tempo suficiente para eu ficar em choque o resto da viagem, corroída por uma grande sensação de injustiça e
violação dos meus direitos como cidadã. Igualmente senti-me destratada. Posso
até entender que seja proibido fazer fotos às autoridades e compreendo que até
confirmarem que eu tinha feito uma foto ao chapa e não à polícia estava sob
suspeita de incumprir a lei, mas não posso entender, nem justificar a falta de
educação, a forma ameaçadora como me gritaram e o excesso te autoridade com que
me trataram, a indisponibilidade para dialogarem comigo e para ouvirem a minha
justificação. E numa situação assim percebi que o melhor é não tentar chamá-los
à razão porque ao mínimo roce não sei o que pode acontecer.
Quando a polícia me gritou num tom ameaçador “Você na
sua terra também faz isso? Também tira fotos à polícia?” eu gostaria de ter
podido responder “Sim, minha senhora, na minha terra posso fazer fotos à
polícia e eles não se importam porque não têm nada a esconder. Na minha terra
os polícias não violam, nem estrangulam a liberdade dos cidadãos. Na minha
terra os polícias não pedem dinheiro para refrescos
aos patrícios que circulam nas estradas. E, no caso de fazerem alguma dessas
coisas, são chamados corruptos e são devidamente punidos porque na minha terra
ainda impera a Liberdade e a Democracia. E a senhora deveria ter vergonha na
cara porque os seus patrícios lutaram e perderam a vida ao tentarem ver-se
livres dos da minha terra, perseguindo a utopia dessa tal Liberdade e
Democracia. Pessoas como você tornam Moçambique um país mais feio e contribuem
para que pouco a pouco se transforme numa “simpática” Ditadura. A senhora é um
cancro e apodrece Moçambique por dentro.”
Mas não pude, nem quis dizer nada disso. E na minha
mente saltaram as palavras do poeta José Craveirinho:
Poema do Futuro Cidadão
Vim de qualquer parte
de uma Nação que ainda não existe.
Vim e estou aqui!
Não nasci apenas eu
nem tu nem outro...
mas irmão.
Mas
tenho amor para dar às mãos-cheias.
Amor do que sou
e nada mais.
E
tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho dum país que ainda não existe.
Ah! Tenho meu amor à rodos para dar
do que sou.
Eu!
Homem qualquer
cidadão de uma nação que ainda não existe.
José Craveirinha- Moçambiquede uma Nação que ainda não existe.
Vim e estou aqui!
Não nasci apenas eu
nem tu nem outro...
mas irmão.
Mas
tenho amor para dar às mãos-cheias.
Amor do que sou
e nada mais.
E
tenho no coração
gritos que não são meus somente
porque venho dum país que ainda não existe.
Ah! Tenho meu amor à rodos para dar
do que sou.
Eu!
Homem qualquer
cidadão de uma nação que ainda não existe.
E eis a foto da discórdia:
Não sei se deva ou não publicar este
texto. O que escrevo aqui é fruto do que observei, ouvi e vivi desde que
cheguei a Moçambique mas aqui a liberdade de expressão não está de todo isenta
de censura. Se algum dia tiver problemas por escrever o que penso e sinto
espero que pelo menos os meus leitores me enviem um chocolatinho à cadeia. Os
meus preferidos são os de leite com avelãs, de marcas suiças. Obrigada!
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