quarta-feira, 27 de março de 2013

Cem Anos de Solidão



“El mundo habrá acabado de joderse – dijo entonces- el día en que los hombres viajen en primera clase y la literatura en el vagón de carga.” (Pág. 462*)

A minha relação com este livro foi, durante muitos anos, a mesma relação que em tempos mantive com os livros do Saramago, i.e, o rechaço baseado em opiniões alheias. Assumo, pois, os meus preconceitos literários. E já se sabe que os preconceitos são mesmo assim, pecam pela generalização. Mesmo depois de me ter deliciado com uma boa parte das obras de Gabriel García Márquez recuava sempre quando se tratava de começar a ler “Cem Anos de Solidão”.

Amedontrada pela complexa árvore genealógica dos Buendía, acabava por escolher outras obras do Colombiano, por exemplo “Memória das minhas putas tristes”  esteve durante muito tempo no meu top 3.

Foi a curiosidade que me levou a ler as primeiras páginas de “Cem Anos de Solidão” com o objectivo de ver como estava escrito. Em menos de 1 hora alcançei a 76ª página e sentia-me bêbeda de prazer. Parecia que a minha existência já não estaria completa sem a existência do José Arcadio, da Úrsula e dos restantes habitantes do recondido Macondo.

Não mentiam os leitores meus conhecidos quando me contavam que há momentos em que é difícil acompanhar a corrente sanguínea dos personagens. Tal e qual uma profecia, foram surgindo ao longo dos capítulos um sem fim de José Arcadios, Aurelianos, Amarantas, Remédios e Úrsulas.

Enredo

Inserido na corrente literária denominada Realismo Mágico ( género muito apreciado por Isabel Allende), o romance relata, ao longo de 7 gerações, o quotidiano da família Buendía, fundadores de uma aldeia chamada Macondo, na remota região de Riohonda.
 A história tem passagens autobiográficas da vida de Garcia Marquéz, assim como acontecimentos fictícios que se confundem com a História da Colombia: a Guerra Civil, a construção dos caminhos de ferro, a exploração bananeira que permitiu um rápido crescimento económico na região à custa do trato inhumano dado aos trabalhos e que, em 1928,  culminou com o Masacre de las Bananeras.

Escrito na voz de um narrador externo à história, que não julga os personagens, limitando-se a relatar os acontecimentos, muitas vezes de cariz surreal e/ou fantástico, como se fossem acontecimentos banais, o livro aborda não só a condição do ser humano patente na solidão dos personagens, mas também a degradação e a forma como o Homem corrompe o mundo.

Na minha opinião é um livro nada enfadonho. De leitura fácil,  é daqueles livros que se pensarmos neles enquanto estamos no trabalho, ficamos a sonhar com a viagem de comboio de regresso a casa só para termos o gostinho de avançar mais umas páginas.


Particularidades

Publicado em Maio de 1967, em Buenos Aires, através da editora Sudamericana, o livro teve uma tiragem inicial de 8000 exemplares que rápidamente foram vendidos. Em poucos anos, “Cem Anos de Solidão" era já um romance vendido e apreciado à escala global.

Na época Gabriel García Márquez ainda não era um escritor conhecido portanto, quanto apresentou o romance à editora que, então, era a mais almejada pelos escritores que escreviam em castelhano, o editor disse-lhe que achava que não ia ter êxito e que não o ia publicar.

Mais tarde, quando enviou por correio o primeiro exemplar à editora em Buenos Aires teve de o fazer em duas vezes porque não tinha dinheiro suficiente para pagar a encomenda completa.

Não posso deixar que lamentar o facto de Gabriel García Márquez estar desde há algum tempo incapacitado de escrever devido à doença de Alzheimer (demência, como li nalguns jornais na altura em que a notícia foi divulgada).

E, por fim, depois de escrever tudo isto e, contra as vossas expectativas, “Cem Anos de Solidão” continua a não ser o meu livro preferido de García Márquez. Escrevi este post só para vos incentivar a ultrapassarem os vossos preconceitos literários e a não darem ouvidos aos velhos do Restelo que afirmam que uma história é ilegível só porque tem muitos personagens com o mesmo nome...**

“Había de transcurrir algún tiempo antes de que Aureliano se diera cuenta de que tanta arbitrariedad tenía origen en el ejemplo del sabio catalán, para quien la sabiduría no valía la pena si no era posible servirse de ella para inventar una manera nueva de preparar los garbanzos” (Pág. 476*)

*Plaza & Janés Editores, S.A: Ediciones Debolsillo, edição de Novembro 2001.
** Consultei alguns dados para escrever este texto na wikipedia espanhola.







1 comentário:

Jéssica F. disse...

Realmente, um grande livro!

E quanto ao que as pessoas falam dele... pelo menos no meu caso como ouvinte, só diziam coisas secundárias, como a questão da sucessão dos nomes a cada geração. Parece que o insólito tão original da obra era ignorado pelos leitores que conheci.

Abraços! ;)