quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Relato de uma experiência fantàstica na Casa Madre Maria Clara

Vista geral do Pátio


Depois de vários dias de ausência voltei para contar as ultimas novidades.
Por fim, comecei a trabalhar. Não exactamente como seria desejável mas tive uma pequena-grande ocupação nas ultimas 2 semanas: preparar umas adolescentes do 10º ano para os exames específicos que lhes permitem acesso à escola que elas querem frequentar.
Fomos, portanto, chamados de "urgência" à Casa Madre Maria Clara, um orfanato-internato gerido por umas irmãs carmelitas que são a simpatia em pessoa. Ao David foi-lhe incubida a dura tarefa de dar aulas de Matemática e a mim de Português e Inglês.
Na sala de aula fazia um calor de morrer apesar de todas as janelas estarem abertas. Às 9h00 começava o David com os números e depois era a minha vez de seguir a sós com a Joana ao mesmo tempo que dava um olhinho às outras 3 raparigas para certificar-me de que estavam a estudar Biologia e não a contar carneiros. Ao principio foi dificil criar empatia com elas já que ora por cultura, ora por carácter são tímidas. Quando falavam conosco viravam a cara para o lado etc...À medida que fomos criando laços com elas percebemos que o nível de conhecimentos era muito básico. Não sabiam distinguir entre números negativos e positivos, não sabiam conjugar o verbo ser nem em Português, nem em Inglês etc...É um bocadinho desesperante querer explicar-lhes matérias que lhes faziam falta para o exame mas ter de recuar uns quantos (muitos) passos atrás em tão pouco tempo. Senti uma pena muito grande e, sobretudo, solidariedade. Queria  ter ficado um mês inteiro a dar-lhes aulas sobre os mais variados temas. Por exemplo, gostava que percebessem a importância de saber expressar-se, da leitura, de saber fazer redações etc...Gostava também de lhes ter ensinado coisas sobre Moçambique: escritores, artistas plásticos e toda essa gente que faz de Moçambique um país especial. Gostava de lhes ter dado oportunidade para que me contassem o que sabem da cultura delas: a capulana, a marrabenta, a geografia nacional etc....

David a dar aulas
Não as culpo a elas. Desde o dia em que cheguei a Moçambique percebi que as pessoas estão totalmente abandonadas pelo Estado. O sistema está para os ricos. Os outros (que são a maioria) que se desenrasquem. Espero não ter de recorrer nunca aos hospitais. Quanto ao Ensino já tinha sido alertada para o facto de o nível de conhecimento e exigência ser muito baixo. Também não me surpreende. Estatísticamente Moçambique tem que demonstrar que está a preparar cidadãos para o futuro prometedor em termos de crescimento económico, por isso os professores são obrigados a aprovar 80% dos alunos em classe. Caso não o façam têm de enviar relatórios ao Ministério da Educação. Acabam engolidos pela burocracia portanto, a maioria opta por respeitar esses 80%. Assim, muitos alunos vão passando sem saberem nada. E mais tarde, concluída a faculdade, são também eles, professores, médicos, engenheiros etc...e o ciclo vicioso vai-se compondo. Não é de estranhar, pois, que muitos professores saibam muito pouco ou que a entrada num hospital por uma dor de cabeça termine em falecimento. Também não é de estranhar que as coisas se passem assim. Se a população fosse realmente instruída aceitaria a indiferença com que são tratados?

A indiferença está igualmente patente noutros âmbitos sociais. Como se pode prosperar como país quando os cidadãos são obrigados a conviver com tanto lixo nas ruas? E as condições dos transportes públicos? Os cidadãos de Maputo viajam todos os dias em condições insalúbres. 20 pessoas dentro de "chapas" de 9 lugares. Hoje mesmo vi uma mulher que viajava com o rabo fora da janela porque inteira não cabia lá dentro. Onde está o respeito pela dignidade desta gente que sai de casa todos os dias para trabalhar?


Não é, pois, de estranhar, que ao fim de 15 dias de aulas na Casa Maria Clara, as raparigas, que entretanto se tornaram nossas amigas, não estejam muito óptimistas quanto aos resultados dos exame. E nós também não. Não me posso sentir indiferente porque vi talento e vontade de chegar longe mas é como se elas tivessem de carregar o estigma do maldito sistema.

Rainha
Meninas

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