sexta-feira, 3 de outubro de 2014

365 dias num balão de ar quente

No meu ponto de vista um balão de ar quente é para os transportes aéreos o que o comboio é para os transportes terrestres: romântico, aventureiro, bonito e bravo. Isto, claro está, se o vir desde uma perspectiva optimista.  Se o vir desde uma perspectiva prática, o balão de ar representa o sonho que não cessa mas que vai por caminhos imprevisíveis e perigosos onde o final da viagem – como metáfora da vida- pode ou não ser feliz. É um livro aberto onde cada página se vai escrevendo à medida dos acontecimentos. Viajar de balão de ar – outra vez como metáfora da vida- não será a primeira opção da esmagadora maioria dos viajantes mas foi um dia a minha opção. A viagem foi longa, cheia de turbulências, tempestades, dias de céu limpo, de sol escaldante, chuva tropical, trovoadas e ventos fortes que quase derrubaram o meu balão e o meu sonho de viajante. Os últimos kilómetros foram os mais duros. Eu sabia que a aterragem ia ser dura porque o meu balão de ar quente estava feito num farrapo. Não agourava nada bom. E, quando o momento chegou, pensei que ia morrer porque o impacto foi tão forte que até me faltou o ar. E foi uma aterragem que demorou muito tempo. Demasiado. Quando eu pensava que já tinha tudo controlado, vinha um impacto fortíssimo quase capaz de me partir ao meio. Uma vez e outra vez detrás de outra. Às vezes, durante a aterragem do meu balão de ar quente, tive de cruzar nuvens de nevoeiro cerrado e não conseguia ver nada. Outras vezes cai num frio e fundo oceano e tive de lutar muito para não me afogar. Nesses momentos desprendi-me dos bens materiais e fui deixando muita bagagem para trás. Depois, aos poucos e poucos, quando já quase não esperava nada, nem bom, nem mau, a aterragem foi ficando mais amena, suave. Volvidos trezentos e sessenta e cinco dias, com os cacos do meu balão de ar quente cosidos à mão e devidamente estacionados num museu que existe para os devidos efeitos, quando olho para trás vejo que foi sem dúvida a opção mais dificil que tomei na minha vida até hoje. Talvez por isso, esta minha viagem tenha sido tão dura, porque as escolhas mais dificéis são sempre as mais profundas, as que maior maturidade exigem. Dizem também que nestes momentos é preciso ter sangue frio e eu só tenho sangue quente, quase a escaldar. Talvez este facto justifique muitas coisas. E, enquanto escrevo este relato não tento evitar que se forme um nó na minha garganta e que umas quantas lágrimas de dor saltem pelo olho direito, e outras tantas de saudades escorram pelo olho esquerdo. Fiquei mais esperta e, hoje em dia, não voltaria a pôr os pés num balão de ar quente. Deixo-os para os aventureiros sem nódoas negras. Para viajar prefiro outros meios de deslocação mais seguros, mesmo sabendo que tudo pode acontecer. Só quem não vive é que não sofre. De qualquer das formas, parece que me esqueço de mencionar algo que é o mais importante de tudo: o que me motivou a empreender esta viagem. Algo que ficou depois de todas as coisas perdidas. Uma coisa que vive dentro de mim desde que me lembro de pensar pela minha cabeça (e isso foi algo que comecei a fazer cedo), como uma planta que resiste em morrer quando o Inverno chega, e se mantém vigorosa e colorida, contra todas as expectativas. O meu motivo chama-se África, a melhor companheira de todas as viagens.Foi há trezentos e sessenta e cinco dias que deixei Moçambique.


Sem comentários: