No meu ponto de vista um balão de ar quente é
para os transportes aéreos o que o comboio é para os transportes terrestres:
romântico, aventureiro, bonito e bravo. Isto, claro está, se o vir desde uma
perspectiva optimista. Se o vir desde
uma perspectiva prática, o balão de ar representa o sonho que não cessa mas que
vai por caminhos imprevisíveis e perigosos onde o final da viagem – como
metáfora da vida- pode ou não ser feliz. É um livro aberto onde cada página se
vai escrevendo à medida dos acontecimentos. Viajar de balão de ar – outra vez
como metáfora da vida- não será a primeira opção da esmagadora maioria dos
viajantes mas foi um dia a minha opção. A viagem foi longa, cheia de turbulências,
tempestades, dias de céu limpo, de sol escaldante, chuva tropical, trovoadas e
ventos fortes que quase derrubaram o meu balão e o meu sonho de viajante. Os
últimos kilómetros foram os mais duros. Eu sabia que a aterragem ia ser dura
porque o meu balão de ar quente estava feito num farrapo. Não agourava nada
bom. E, quando o momento chegou, pensei que ia morrer porque o impacto foi tão
forte que até me faltou o ar. E foi uma aterragem que demorou muito tempo.
Demasiado. Quando eu pensava que já tinha tudo controlado, vinha um impacto fortíssimo
quase capaz de me partir ao meio. Uma vez e outra vez detrás de outra. Às
vezes, durante a aterragem do meu balão de ar quente, tive de cruzar nuvens de
nevoeiro cerrado e não conseguia ver nada. Outras vezes cai num frio e fundo
oceano e tive de lutar muito para não me afogar. Nesses momentos desprendi-me
dos bens materiais e fui deixando muita bagagem para trás. Depois, aos poucos e
poucos, quando já quase não esperava nada, nem bom, nem mau, a aterragem foi
ficando mais amena, suave. Volvidos trezentos e sessenta e cinco dias, com os
cacos do meu balão de ar quente cosidos à mão e devidamente estacionados num
museu que existe para os devidos efeitos, quando olho para trás vejo que foi
sem dúvida a opção mais dificil que tomei na minha vida até hoje. Talvez por
isso, esta minha viagem tenha sido tão dura, porque as escolhas mais dificéis
são sempre as mais profundas, as que maior maturidade exigem. Dizem também que
nestes momentos é preciso ter sangue frio e eu só tenho sangue quente, quase a
escaldar. Talvez este facto justifique muitas coisas. E, enquanto escrevo este
relato não tento evitar que se forme um nó na minha garganta e que umas quantas
lágrimas de dor saltem pelo olho direito, e outras tantas de saudades escorram
pelo olho esquerdo. Fiquei mais esperta e, hoje em dia, não voltaria a pôr os
pés num balão de ar quente. Deixo-os para os aventureiros sem nódoas negras.
Para viajar prefiro outros meios de deslocação mais seguros, mesmo sabendo que
tudo pode acontecer. Só quem não vive é que não sofre. De qualquer das formas,
parece que me esqueço de mencionar algo que é o mais importante de tudo: o que
me motivou a empreender esta viagem. Algo que ficou depois de todas as coisas
perdidas. Uma coisa que vive dentro de mim desde que me lembro de pensar pela
minha cabeça (e isso foi algo que comecei a fazer cedo), como uma planta que
resiste em morrer quando o Inverno chega, e se mantém vigorosa e colorida,
contra todas as expectativas. O meu motivo chama-se África, a melhor
companheira de todas as viagens.Foi há trezentos e sessenta e cinco dias que
deixei Moçambique.
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