Recordações da Guerra Colonial/ Libertação |
Aqueles que me conhecem sabem que me derreto com
a “Revolução dos Cravos”. E não é de agora o meu interesse. É uma questão de
educação.
Na minha casa não fomos substituindo tecnologia por
tecnologia. O gira-discos sempre conviveu pacificamente com o leitor de K7 e,
mais tarde, com o leitor de cd´s. Por isso, do meu repertório infantil e
juvenil fazem parte dois vinis do Adriano Correia de Oliveira e uma k7 pirata
do concerto dos Resistência ao vivo no Coliseu, com uma pequena homenagem ao Zeca Afonso.
Mais tarde, já em versão digital, ouvi outros artista de inspiração
revolucionária: Sérgio Godinho, Pedro Barroso, Fanha etc...
Desde o alto da minha arrogância de adolescente, o 25
de Abril era já muito mais que um feriado sem escola ou o dia do aniversário do
Paulo David (o coleguinha mais giro da escola primária). Doía-me como algo
muito pessoal que toda a gente fosse para o centro comercial desfrutar da
folga, sem nem sequer fazerem uma menção de honra sobre o dia em questão. Ou quando
faziam, diziam coisas tão banais como “Opá,
tamos é a precisar doutra revolução para correr com esta escória” ou então “Bah, tanta revolução e não serviu para
nada”.
Não quero dizer com isto que eu fosse uma
criança-adolescente prodígio. Nada disso! Sentia a mesma simpatia pelo Carnaval
e, depois, pelo dia da Restauração. Mas já então achava que a Revolução dos
Cravos tinha sido algo excepcional.
Mais tarde, quando já estava na faculdade, conheci a
Cecília, uma colega com filhos da minha idade, que tinha histórias biográficas
relacionadas com a censura e a PIDE. No dia 25 de Abril de 2004 fomos juntas ao
desfile na Avenida de Liberdade ao Rossio. Foi a primeira vez que me envolvi in persona no ambiente saudoso da
revolução com a população, os cravos, o desfile militar, os sindicatos e a
Cecília a contar-me de viva voz como tinha sido tudo.
Quando saí de Portugal para trabalhar num ambiente
com pessoas de diferentes nacionalidades descobri que, para alguns, a nossa
revolução era um referente. Sobretudo, os meus amigos espanhóis, falavam da
revolução como um milagre. Ao princípio não percebia muito bem porquê e
parodiava com eles. Dizia-lhes que estavam enganados, que a população tinha
saído para a rua não para apoiar os militares, mas porque pensavam que a Junta
de Freguesia estava a distribuir sardinhas, pão e vinho à borla. Depois, à
medida que fui conhecendo a História Moderna de Espanha, percebi que o 25 de
Abril foi para eles a luz ao fundo do túnel, depois da Guerra Civil e de mais
de 40 anos sob a batuta do General Franco, e que só voltariam a respirar
Liberdade e Democracia em 1977, sempre com o exemplo do país vizinho na mira.(n.b: Franco morreu em
1975, quentinho e recolhido no quarto, sem que o tivessem expulsado)
Nunca deixei de reflectir e de me apaixonar por um
dia tão grande da nossa História. Lamento se vos soa a discurso inflamado de
uma nacionalista. Não é isso, é apenas uma euforia passional. Não sinto a mesma
paixão por outros referentes, talvez tão ou mais grandes da História de
Portugal. (
que o Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a India? Que o Mário
Soares foi Presidente da Républica? Importa-me tanto como o cú da burrica)
Logo, quando soube que a Embaixada de Portugal em
Maputo estava a organizar várias sessões cinematográficas no âmbito do Dia da Lingua Portuguesa eda Cultura, dia 5 de Maio, e que entre os filmes eleitos estava “Capitães deAbril”, fiquei muito contente e, pela primeira vez, senti simpatia pela nossa
representação diplomática ( depois de isto e isto).
Embora me tenha chocado o facto de só estarmos eu, o
David e os três empregados da galeria de arte onde projectaram o filme -porquê
tanto desinteresse?- uma vez mais pude comprovar que a minha admiração pelo 25
de Abril não é em vão. Foi
mesmo um momento subversivo importante, que nasceu da vontade do Ser Humano ser
Livre. Primeiro os militares, depois os populares que se juntaram e mais tarde a
opinião pública.
[ “... Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce...”]
Fernando Pessoa, in "O Infante", Mensagem, 1934
Embora algumas cenas do filme sejam lugares comuns,
adorei a forma como a Directora Maria de Medeiros filmou e contou as 24 horas
da Revolução. No dia seguinte vi o making-off e, ouvi, sem grande surpresa, como
um dos produtores comentava que na gravação da cena no Largo do Carmo, antes e
depois das negociações entre Salgueiro Maia e Marcelo Caetano, os figurantes
-actores e anónimos portugueses- gritavam palavras de ordem de uma maneira
eloquente e espontânea, sem que fosse necessário que o staff os instruísse para
tal. Igualmente constatei que, uma das poucas coisas boas que nos deu a
ditadura, foi o facto de as circunstâncias terem levado a que seja um período
extremamente musicado.
Para aqueles que a viveram in loco, para as gerações sacrificadas e massacradas pela Guerra,
para os perseguidos e maltratados pelo regime, nós, os privilegiados filhos da
Revolução ou aqueles que a ela sobreviveram, temos a obrigação de seguir contando
e comentado as coisas tal e como aconteceram ou até mesmo à nossa maneira sem,
contudo, permitirmos que caia no esquecimento. E faz ainda mais sentido se
tivermos em conta a época tão dura que se vive na Europa, onde os ditadores
financeiros pautam a nossa vida, ou até a situação que se vive nos PALOP onde
aqueles que outrora lutaram pela Liberdade dos seus povos e cultura, agora se
deixam encantar pelo canto da sereia e do cifrão e sacrificam a sua gente.
[ “...amigo, maior que o pensamento...não percas
tempo que o vento é meu amigo também...”] José Afonso
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