Pensava que a Revolução dos Cravos, em Moçambique, seria
sentida ainda com mais arrebatamento que em Portugal, contudo chegou o dia 25
de Abril e percebi que os moçambicanos, em geral, vivem na ignorância sobre
essa data de tamanha importância para a História de todos nós.
25 de Junho é dia de festa rija, com direito a
feriado, aqui em
Moçambique. Em 1975, com os Acordos de Lusaka, portugueses e moçambicanos chegaram a um consenso mais que
esperado, que levou à total independência de Moçambique. Depois, seguiu-se um
longo período de Guerra Civil, que terminou em 1992, mas isto são histórias
para outro post.
Por um lado, quando em 1975 os Palop alcançam por fim
a soberania merecida, passavam já mais de 40 anos desde que a Independência das
colónias africanas era claramente defendida pela opinião pública nacional e,
sobretudo, internacional.
Nos mais diversos âmbitos crescia um sentimento pan-africanista que culminou na indepêndencia de muitos
países africanos depois de terem sido “raptados” durante vários séculos e,
posteriormente mutilados no processo da Conferência de Berlim, em 1885.
Essa crescente consciencialização ficou patente,
entre outros, na aceitação da realidade africana como inspiração literária
pelos próprios autores africanos. Não é possível explicar a descolonização sem
recorrer à literatura, facto patente em autores como Agostinho Neto, poeta e
primeiro presidente de Angola independente ou Amílcar Cabral, poeta e criador do
Movimento de Indepêndencia da Guiné e Cabo Verde.
Brasil foi o “godfather” da literatura africana de
expressão portuguesa. O movimento
modernista brasileiro, concentrado sobretudo na consolidação da identidade
brasileira, contribuiu de forma indubitável para a construção da identidade de países
como Angola e Cabo Verde. Já no séc. XIX eram denunciados, através
da literatura ou do jornalismo, o racismo e os abusos colonialistas, mas foi a
partir dos anos 40, do século XX, que vários intelectuais negros, mulatos e
brancos começaram a reclamar de forma mais insisíva a independência dos seus países e
reconhecimento das culturas autóctones, assimiladas até então pela cultura do
colonizador. (Re)Nascia o sentimento nativista.
Em Moçambique as coisas não tomaram um rumo
diferente. Os moçambicanos tinham necessidade de denunciar os abusos
colonialistas. Assim, a partir dos anos 40, grupos de intelectuais negros,
mestiços e brancos juntaram-se para denunciar um sistema que há 500 anos os
humilhava. Aí, reside uma das maiores grandiosidade - e, a meu ver, beleza- da
resistência anti-colonialista Palop. Ao contrário do que se verificou noutras
colónias, tais como as francófonas, onde nem os colonos, nem os seus
descendentes se mesclaram com os denunciadores do sistema preconizado por eles , a resistência
anti-colonialista nos Palop foi uma resistência multi-racial.
Luis Bernardo Honwana: o
encontro com o escritor
Luis Bernardo Honwana à esquerda com o escritor Ungulani Ba Ka Khosa |
Bom, esta pequena dissertação sobre luta, resistência
e literatura Palop vem a propósito de um acontecimento sobre o qual vos quero
falar: um encontro que houve no passado dia 3 de Maio, na livraria Minerva, na
Baixa de Maputo, com o escritor Luis Bernardo Honwana, autor de “Nós matámos o
cão tinhoso”, o seu único
mas marcante livro.
Através de uma conversa informal em que o escritor
tentou que os ouvintes fossem os actores principais, Honwana, que partilhou
mesa, conversa e divagações com outro escritor moçambicano, o Ungulani Ba KaKhosa, foi explicando quando, como e porquê surgiu a obra que é um livro-matriz,
um farol da literatura moçambicana. Comentou que a consciência colectiva
começou no jornalismo. Depois, os mesmos que denunciavam as injustiças sociais através
da imprensa começaram “a experimentar a mão”.
Segundo Ungulani, pertencente a uma geração posterior
à de Honwana, a obra, é um dos imbondeiros da sociedade moçambicana. Disse
também o seguinte: “O Luis deu-nos o
espaço. Chamou-nos a atenção. O horizonte cultural estava vazio”.
Recomendo vivamente a leitura da obra em questão. Trata-se
de um livro que reúne sete contos que abordam de uma maneira tão transparente,
como dura a realidade da sociedade moçambicana e, sobretudo, dos moçambicanos
negros na era colonial com o preconceito e a violência que a caracteriza.
“O Cão-Tinhoso tinha uns
olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre
cheios de lágrimas, que lhe escorriam pelo focinho. Metiam medo aqueles olhos,
assim tão grandes, a olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer
dizer.” In “Nós Matámos o Cão
Tinhoso”, Edições Afrontamento, Lda
Sem comentários:
Enviar um comentário