A
praia da Macaneta, em Moçambique, tem uns bons kilómetros de areal. A água, não
sendo azul coral, é de fazer inveja a muitas praias de resort turístico. Embora
esteja nas águas do Índico, o mar ainda que quentinho, pode ficar bravo.
A
Macaneta é o paraíso dos expatriados, aka, mulungos a viverem em Moçambique. Aos
fins-de-semana e nos feriados, há longas filas que esperam pelo velhinho ferry.
Para os entretantos há um par de agradáveis restaurantes montados à sombra de
folhas de palmeira onde são servidos pedaços de paraíso em forma de peixe
fresco e grelhado. Isso sim, o serviço é ao melhor estilo moçambicano: sorrisos
grandes e bonitos e duas horas de espera para comer uma espetada. Afinal quem
se importa com o tempo em África, senão os brancos? Desesperam ao longo dessas
horas de espera, abanam a cabeça, pedem o livro de reclamações, tornam-se
rezingões, prometem falar mal do serviço mas...depois voltam sempre porque, a
final de contas, vale a pena esperar pelo produto final como em nenhuma outra parte.
Na
única vez que estive na Macaneta passei 99,9% dentro de água como um peixe
voador aos pinotes. O restante tempo -0,01%- estiquei-me no areal e fiquei com
um escaldão horroroso. África não é para meninos!
Num
desses poucos momentos em que estive no areal, uma vendedora de peixe que ia a
passar pediu-me ajuda para tirar o alguidar da cabeça porque precisava
descansar um pouco. Eu acudi muito empolgada e quase parti os pulsos quando
apanhei a carga. O alguidar pesava uns bons dez kilos. Estava cheio de peixe
fresquinho e crostáceos.
A
vendedora ficou sentada na areia a descansar cerca de vinte minutos e depois
voltou a pedir ajudar para pôr o alguidar na cabeça. Tinha percorrido a
totalidade da praia para entregar o peixe fresco nos restaurantes. Essa era a
realidade diária daquela mulher: percorrer kilómetros de areal com um alguidar
pesado na cabeça. Em casa teria um marido bêbado e tantos filhos quanto a
impossibilidade dos alimentar a todos. Quantas vezes não teria acartado um
filho às costas, enquanto caminhava com o alguidar à cabeça? E quantas mulheres
não haverá em Moçambique nas mesmas condições? E quantas dessas mulheres, que
foram mortas nos últimos meses no centro do país nos ataques proliferados entre
a Renamo e a Frelimo, não estariam a passar por casualidade com um alguidar na
cabeça, quando levaram um tiro e não são sequer um número porque, de acordo com
a comunicação social “...a crise político-militar, que provocou um número
indeterminado de mortos e de feridos..."?
D. Josefina
Amélia dos Prazeres Santos Tembe
viajando no
tejadilho do calhambeque "Chapa 100"
ia à cidade
de Maputo vender
uma trouxa
de 8 couves
quando
aquele frufru
da rajada
não deixou.
José Craveirinha]
Por
isso, quando hoje abri o jornal digital e li sobre o “sentido” abraço entre o Gebuza
e o Dhlakama
e os vi caminhar de mãos dadas como um apaixonado casal de namorados, não pude
conter a raiva dentro de mim e reflectir sobre a irresponsabilidade deste
momento que eles consideram cheio de simbolismo. E mais não digo porque me faltam
as palavras e me dói a inteligência por saber que assim que as eleições
terminarem, as vendedoras de alguidar na cabeça vão voltar a cair como “números
indeterminados”.
Praia da Macaneta Fonte: |
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