domingo, 17 de agosto de 2014

Aviso: vou implicar com os PALOP

Desde a antiguidade que algumas minorias reclamam os seus direitos, mas foi sobretudo depois da revolução francesa que essas reinvidicações se tornaram mais banais. No século XIX, passado o auge da revolução industrial e com as ideias marxista a apelarem ao espírito reinvidicativo e sindical, as ruas foram cenário de lutas sociais por direitos que hoje em dia nem sequer questionamos. Na luta e pela luta morreram centenas de pessoas às quais devemos, em parte, a nossa liberdade.

O século XX foi palco de enúmeras manifestações de apoio à liberdade de direitos colectivos e individuais. Considero que a maioria foram de suma importância e quiças deveríamos reflectir um pouco mais sobre esse processo democrático, sobretudo no contexto actual, onde muitos desses direitos nos são descaradamente roubados (sugiro a leitura de “Indignai-vos!”, de Stephen Hessel).

Um dos episódios revolucionários mais apaixonantes do século XX foi a “Queima dos soutiens”, a 7 de Setembro de 1968, quando um grupo de mulheres americanas considerou públicamente os concursos estilo “Miss America” ou “Miss Universo” etc...uma opressão e manipulação da beleza e liberdades feminina e, por isso, nesse dia, em Atlantic City, juntaram-se cerca de  quatrocentas pessoas que, simbólicamente “queimaram” signos da beleza feminina segundo os padrões vigentes. Alguns soutiens, espartilhos, cintas, maquilhagem e muitos pares de sapatos de salto alto foram atirados para um recipiente e alguém sugeriu que fossem queimados. Como o local onde se encontravam era privado nunca o puderam fazer, mas ficou a intenção e o simbolismo do acto. No dia seguinte os principais tablóides apelidaram o momento de “Bra-burning”. O zum-zum-zum começou e, um pouco por todo o mundo, activistas e manifestantes copiaram o acto protagonizado em Atlantic City.

Braburning - Atlantic City - 1968
O que é que isto tem a ver com os Palop?

Ora, como viajo sempre ligera de equipaje o meu único luxo desde há muitos anos é um velho portátil multifacetado. É através dele que contacto com o mundo, me divirto, me informo, escrevo, sou feliz e infeliz (atenção: há mais vida para além da minha relação com o meu portátil). Uma das funcionalidades do meu portátil é trazer-me as ondas FM de umas quantas rádios que gosto de ouvir. Se vocês também gostam de rádio gostava de vos sugerir as seguintes frequências:

Portugal – RFM Oceano Pacifico

Espanha – Radio 3

Irlanda – Sunshine Radio

Angola – Radio Kizomba

Bom, e é aqui, nesta última referência radiofónica, que reside o meu espanto. Em Lisboa, quando o corpo pedia a alegria nata dos países africanos, ligava ao meu querido Nzinga e lá íamos nós abanar a anca. Fiquei, pois, fã de alguns grupos de música africana e recordei os dois concertos do Bonga e o concerto dos Tabanka Djaz a que assisti há muitos anos. Adquiri conhecimentos sobre novos artistas tais como o Paulo Flores. Considero que todos eles são artistas de mérito, que têm uma mensagem a passar, umas vezes mais profunda, outras vezes de desbunda, mas em geral têm qualidade. Pensava eu que a Radio Kizomba andava dentro desta linha, mas encontrei algo que os meus ouvidos e o meu cérebro preferiam não ter encontrado. Sem me alongar demasiado aqui vão algumas das pérolas que fazem com que o Quim Barreiros pareça um menino de coro:

 “olha moça pode parar se isso continuar vais-me arranjar confusão vou logo avisar se a minha esposa chegar ela vai-te dar tau tau não arranja confusão se a minha esposa te mete a mão JA TE AVISEEEI...TAS A VER A IDEIA???...” Leopoldo Saide – Não me arranja confusão
  
“Me da tua maçã pra eu provarééé eu estou com fomé quero comer” Dj Machine feat. Caudio Ismael –Maça

“Tudo o que eu tenho para te dar babyyyy....é só amoooor, já sei que não foi a melhor forma de te conquistar...vamos formar o nosso proprio lar...a mansão que te levava era do meu patrão...o carro era da minha tiiiia...”lili saint- só amor

“Ele: não voltas a mexer na porcaria do telemovel...
Ela:Corri o mundo só por ti....fui até ao fundo escalei montanhas para te encontrar e tu não soubeste valorizar...tu es como a lua tens várias caras e não sei qual é a tua...
Coro: chez besoin de toi... já nao vale a pena sofrer, ja nao vale a pena continuar...
Ele: eu sempre de amei e tu nao me davas atenção , baby eu não sou de ferro, por isso cai na tentação, amor eu sempre fui sincero, eu não consigo parar de chorar para ti...por favor acredita eu não estou a mentiiiirrr yyeeehhh”, JessicaFerrao feat. Zimous - Ja Nao Vale a Pena

Sem falsos pudores, considero que estas letras são machistas. Não têm nada de divertido (ao contrário do Quim Barreiros). São pura violência sexista. E o que me deixa mais triste é que a maioria destas “épicas” palavras são cantadas por angolanos e por moçambicanos. Angola e Moçambique pariram alguns dos mais bonitos poemas e canções de amor à liberdade. Agora, mais do que nunca, ambos países têm muitas liberdades pelas quais lutar e um largo caminho a percorrer que vai muito além dos sumptuosos edíficios e das neo-elites “colonialistas” que estão a surgir da chamada classe média. Ainda bem que o Craveirinha já não está por cá...e ainda bem que esta canção um dia foi inventada:

“...Antigamente a velha Chica vendia kola e gengibre e lá pela tarde ela lavava a roupa do patrão importante, e nós os miudos lá da escola perguntávamos à vovó Chica qual era a razão daquela pobreza, daquele nosso sofrimento...Xé menino não fala política...mas quem vê agora o rosto daquela senhora, já não vê as rugas do sofrimento...Xé menino já posso morrer, já vi Angola independente...”

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