terça-feira, 29 de dezembro de 2009

E depois do Adeus




Nunca pensei que a estadia no call-center se prolongasse por tanto tempo. Todos os dias uma luta interna para me auto-motivar, questionando-me sempre se o problema seria meu ou se as outras pessoas sentiam o mesmo. Questionava os meus colegas.Perguntava-lhes como suportavam aquela luta diária.Respondiam-me que gostavam do bom ambiente de trabalho.

Num call-center a tarefa árdua é esquecer que somos pessoas a atender outras pessoas.

Em cada chamada temos de nos identificar com o nosso nome. As empresas pedem-nos que sejamos educados e simpáticos porém, indirectamente, é suposto tratarmos os clientes como números.


Ter de ouvir serenamente(fingir até algum prazer) os desaforos de alguém que não paga as facturas há 3 meses e, mesmo assim, liga a reclamar. Sem se atrapalhar, usa um vernáculo ordinário e, após 16 minutos a gritar sem se ouvir a si próprio diz “ olhe vá apanhar no olho do cú...*****...a senhora trabalha ai porque é uma burra e nem a 2ª classe tem...*****...bip bip bip”


Ou por outro, receber, já depois das 22h, a chamada de uma velhinha doce, só, e que após um problema inexistente no seu telemóvel, ligou porque, certamente não podia estar mais tempo naquele silêncio de solidão.

Depois de fazer o despiste e verificar que estava tudo operacional rematei com a frase mecânica “posso ser útil em mais alguma questão?” e ela responde-me “sabe menina, tenho 80 anos, fui médica e só uso o telemóvel para receber telefonemas da minha filha...silêncio...” e eu, mecânicamente, mas de coração partido, desejei-lhe Boa Noite e desliguei com a certeza de que a fiz sentir a velhinha mais sózinha de Lisboa.


Ela queria conversar comigo e eu com ela...


Ou ainda, receber dia após dia, de sorriso irónico, as queixas do Sr.Mamadu que só tinha 0.05€ e comprou um serviço extra que custa 1€ ficando automáticamente com saldo negativo. Não pensem que o Sr.Mamadu se atrapalha. Telefona a reclamar e a exigir que lhe devolvam o dinheiro...quando percebe que não vai ser sucedido diz, num tom amoroso “ e não me podem carregar que eu amanhã telefono a devolver?”

Ou a Srª não-sei-quantas que precisa do código PUNK e do PINK original.


Todas as questões têm de ser geridas em piloto automático embora, como já referi, sejamos obrigados a dizer o nosso nome verdadeiro e , não obstante, tenhamos de nos comportar como robôts.Em suma não gosto de trabalhar num call-center porque não me permitem ser humana.

Ainda assim tive sempre boas avaliações dos clientes e, foi muito bom, ouvir na despedida que a equipa estava a perder a assistente (nome do profissional de call-center)mais simpática.

Sendo assim, talvez tenha sido produtivo o semestre no call-center: gosto mais de mim e dos outros; sou mais de esquerda e anti-lobby capitalista porém menos partidária; mantive a minha indepêndencia apesar de não ser rica.


Talvez por isto este dias de LIBERDADE me estejam a saber tão bem. Poder aproveitar Lisboa sem relógio. Dormir até tarde, ir ao café e pedir uma sopa. Sentar-me por aí, escrever e ser de novo pseudo-intelectual.

Caminhar tranquilamente desde Picoas ao Cais do Sodré fazendo pequenas pausas para namorar as monstras, ligar para os meus sobrinhos e sonhar para o meu próximo projecto.


Agora já não preciso dizer Até Já!


(por favor cliquem no título deste post e riam muito)

3 comentários:

Paulo Anes disse...

Obrigado pelo elogio e... ainda bem que não é engate. Nem eu estou para aí virado. Assim podemos trocar ideias e "saberes" mantendo o nível o que, em nome da verdade,me parece bem mais útil e profícuo do que qualquer ideia disparatada de engate na net.

Um bem haja (gosto deste termo) e um ano novo "à maneira"

Paulo Anes


P.S o "post" acima é, pelo menos, divertido

Marta disse...

Adoro o modo como escreves. Ler-te é bem melhor do que ler muitos autores públicados que tenho na estante :)

lolita disse...

Muito triste a história da velhinha que é apenas uma entre tantas outras que sofrem de solidão.
Quanto aos call centers são engraçados vistos deste lado, mas como cliente é mesmo de chegar à loucura.